domingo, 13 de julho de 2014

Deusa do verde crescente: Airmid da Irlanda


Saudações aos leitores do Corrente!
Como minha primeira contribuição a este projeto, gostaria de disponibilizar uma tradução que fiz acerca de uma Deusa pouco difundida dentro do politeísmo Celta, o que não é de causar estranheza, por haver muito pouco existente sobre a mesma, talvez duas ou três citações dentro de todos os documentos mitológicos existentes. A referida Deusa é Airmid, senhora das ervas e poços relacionados a cura. Airmid é uma Deusa a quem devoto parte de meus dias, pois tenho muita gratidão. É notório que ela é parte de meu culto particular. Possuo um altar que ergui em sua homenagem em meu quintal, de mármore branco com verde, que me remete a pureza das águas de seu poço e o verde de suas poderosas ervas, que por sinal foi erguido ao lado do canteiro que é dedicado a ela, com muitas ervas que utilizamos no nosso caminho. O cultivo das mesmas não deixa de ser uma forma de reverenciá-la. Airmid é filha de Dian Cecht, irmã de Miach, vindo a ser também em algumas versões prima de Brigith. Mas sobre esses outros Deuses, falarei posteriormente ou um dos integrantes aqui com certeza falarão em breve. A paixão que adquiri pela mesma se deve ao meu amor pelas ervas e a manutenção de minha saúde. Airmid nos ensina como lidar com os mais variados tipos de ervas existentes, fala conosco através delas, através do reflexo das águas, através do cheiro das flores e do vibrar emanado do verde poder. Existem Alguns relatos de tradição oral, de mitos de Airmid e Miach, e de alguns constumes de pedidos de cura, como amarrar pedaços das roupas de um doente em um lugar consagrado a ela para obter a cura desejada, mas disso também podemos falar mais tarde, para que não se torne desgastante essa leitura. No maravilhoso texto de Erynn Rowan Laurie, a mesma fala com paixão e alegria desta maravilhosa Deusa, disponibilizando até algumas dicas para quem pretende cultuá-la
.

Espero que gostem do material, pois quem a busca de verdadeiro coração, a encontrará, no verde, Airmid sempre viverá.


Altar de Airmid, Solstício de Verão 2013, Tradição Antiga Essência.


Deusa do verde crescente: Airmid da Irlanda
 
Os celtas honravam centenas de divindades ao longo das ilhas britânicas e da Europa ocidental. Alguns são conhecidos através de contos e poesias, mas a maioria, pouco se sabe além dos nomes, tirados de inscrições em pedra. Ao pensar em Deusas de cura irlandesas, a maioria das mentes imediatamente volta-se para Brigith, mas ela não é a única Deusa de cura Celta. As histórias de Airmid são poucas. Ela é mencionada apenas duas vezes ou três vezes em todos os contos irlandeses traduzidos. Airmid é uma curandeira de ervas, que faz parte de uma família de curadores entre os Tuatha de Danann, um dos grupos de Deuses e Deusas da Irlanda pagã. Juntamente com seu pai, Dian Cecht e seu irmão Miach, um Deus de cirurgia, ela guardava a fonte sagrada que trazia os mortos de volta à vida. Os contos nos dizem:


“O morto e o ferido de morte foram lançados em uma cura superior a Dian Cecht, seus filhos, Octriuil Miach e Airmid cantaram encantamentos, e todos foram restaurados em pleno vigor.”


Como curandeira, Airmid superaria seu pai no poder, pois enquanto Dian Cecht substituiria o braço decepado do rei de Danann, Nuadha, com um de prata, ela e Miach regenerariam o braço de carne para a saúde perfeita. O encanto de cura que recitavam, permaneceu no uso popular Celta até hoje.
 
Osso para* osso,
Veia para veia,
Bálsamo para bálsamo
Fluido para fluido
Pele para pele
Tecido para tecido
Sangue para sangue
Carne para carne
Tendão para tendão
Medula para medula
Âmago para âmago
Gordura para gordura
Membrana para membrana
Fibra para fibra
Umidade para umidade.

* - “para” com sentido de “se ligando à”

A Tradição popular é poderosa, permanecendo na memória das pessoas para as gerações futuras, o que explica ela não desaparecer. Não há nenhuma explicação, apenas “este é o jeito que sempre foi feito.” Esse é o poder do crescimento verde. Corte uma sorveira, e uma dúzia de mudas jovens surgirão do tronco para tomar seu lugar.
Como a origem do encanto se perdeu a partir da memória, então o segredo das ervas curativas foi perdido para as pessoas também. Dian Cecht, com ciúmes porque ele não poderia competir com as habilidades cirúrgicas de Miach ou com os poderes de regeneração de Airmid, matou seu filho e espalhou e confundiu as ervas que cresceram a partir de seu túmulo para que os seres humanos mortais não pudessem compartilhar o poder e a imortalidade dos Deuses.
Depois disso, Miach foi enterrado por Dian Cecht e 365 ervas cresceram através do túmulo, correspondente ao número de suas articulações e tendões. Então Airmid espalhou seu manto e arrancou as ervas de acordo com suas propriedades. Dian Cecht veio até ela e misturou as ervas, a fim de que ninguém soubesse sobre suas qualidades curativas adequadas, a menos que ela ensinasse-os depois. E Dian Cecht disse: “Apesar de Miach já não viver, Airmid permanecerá.”
As ervas de Airmid, distribuídas em sua capa, estavam espalhadas por seu pai. No entanto, Airmid ainda se lembrava dos poderes das ervas, e pode ensinar-nos os seus segredos. Através dela, podemos aprender a usar e apreciar o poder sagrado de plantas e águas curativas. Suas ervas medicinais eram poderosas, oferecendo a cura para todas as partes do corpo. O número simbólico 365 nos diz que, com o tempo, as ervas de Airmid podem curar todas as feridas. As ervas de Airmid têm poder durante todo o ano solar, sejam em sementes, raízes, caules, flores ou folhas. Frescas na primavera ou secas no auge do inverno, as ervas têm efeito. Elas funcionam por ciclos da natureza, e através da energia que conecta as articulações e tendões do corpo em linhas de energia.
É Airmid, a Deusa das plantas medicinais, apenas uma curadora do corpo? A resposta simples é não, o poder de cura de cada lugar verde aparece visivelmente dentro dele. Temos apenas que ficar em um bosque de árvores ou ouvir a o escoar de uma cachoeira circulada por samambaias para sentir o peso de nossas feridas espirituais e emocionais começarem a levantar de nossos ombros. O poder de cura das plantas vai muito além de seu efeito físico sobre a bioquímica humana. Quando nos deliciamos com as cores e aromas de flores desabrochando, o cheiro inebriante verde dos pinheiros e cedros, o poder de cura de Airmid estará lá. Em nossas xícaras de chá com mel, ela reside. Ela habita em florestas e campos, e para aqueles de nós que vivem nas cidades, ela habita nos vasos de ervas aromáticas de lojas de jardinagem, canteiros de janelas de apartamentos, e no dente de leão amarelo teimoso empurrado para fora de uma rachadura na calçada. A essência da religião celta é encontrada nos estados contraditórios, e não na margem limiar. Airmid é o equilíbrio céltico ímpar de resistência e delicadeza, que se manifesta na amora silvestre – brilhante, de flor frágil e com emaranhados de espinhos. Ela cria a vida da morte, trazendo a cura da sepultura de Miach. Três tipos de medicina eram reconhecidos pelos sábios de direito, a cirurgia, o controle da dieta e a cura pelas ervas. A “mulher-médica do tuath ou tribo (banliaig túaithe) foi considerada independente de seu marido e ordenou o seu próprio preço de honra, ao contrário de muitas outras mulheres na sociedade celta.
A banliaig túaithe era muito provavelmente uma curandeira de ervas e parteira. O herbalismo foi considerado uma parte muito importante da medicina irlandesa, e isso teria feito de Airmid uma deusa de muita estatura, apesar de poucas menções a ela nos textos mitológicos irlandeses.

As sagas e textos considerados/aceitos concordam em ressaltar a importância das ervas medicinais. Tain Bo Cualigne descreve um cataplasma de ervas curativas que foi colocado nas feridas de CuChulainn. Bretha Crolige afirma que o propósito das ervas do jardim é cuidar dos doentes, e refere-se ao grande serviço prestado pelas ervas medicinais.
Nossas jardineiras (as que penduramos nas janelas, e plantamos ervas e/ou flores) e canteiros de ervas no quintal podem ser santuários de Airmid. Os bosques e todos os lugares silvestres, onde crescem plantas são seus templos naturais. Ritos de cura, indução ao transe e meditação são trabalhos devocionais apropriados para esta Deusa do verde. Trabalhar para preservar áreas naturais é uma forma de devoção a ela, porque muitas espécies de plantas medicinais são encontradas apenas na natureza e/ou não podem ser cultivadas.

Um altar em casa para Airmid pode ser coberto com um pano, simbolizando o manto em que ela colocou as ervas de cura. Pode-se espalhar plantas secas ou frescas de todos os tipos. Vasos de flores, ramos de ervas, vasos de plantas, coroas de ramos ou pilhas de frutas podem ser colocados em sua superfície. Uma tigela ou caldeirão com água da fonte ou água da chuva podem simbolizar o seu poço de cura e regeneração. Incensos para ela devem ser aromas florais ou “terrosos”, com ar de crescimento e verdes campos, as resinas de pinheiro ou abeto, ou a doçura elegante do âmbar. Se você for usar velas, elas podem ser de cera de abelha para simbolizar o trabalho de fertilização das abelhas e os poderes curativos do mel. Se você sentir a necessidade de uma lâmina sobre o altar, considere usar uma foice para sua estreita associação ao trabalho agrícola, ao invés de um athame. Bronze, prata, pedra ou madeira são preferíveis às de ferro, pois o folclore nos diz que os dé Danann não gostam desse metal. O seu templo interior pode ser decorado com cachos de ervas secas penduradas no teto, guirlandas de ervas nas paredes, cestos com flores secas, jardins interiores de ervas em vasos sob lâmpadas solares daquelas feitas com garrafas, cheias com ervas secas, e almofarizes e pilões para a sua preparação.
Se você tiver espaço no seu quintal para fazer um jardim, seria muito apropriado você dedicar uma área para ser seu santuário especial e pedir suas bênçãos para o crescimento e preparação de suas ervas. Divindades celtas eram freqüentemente representadas por figuras simplórias esculpidas em um tronco ou em uma pequena pedra em pé. Com um pouco de inspiração e alguns cuidados você pode criar em uma pedra ou tronco um ícone que simbolize a divindade para si mesmo. Uma tigela ou banheira para pássaros perante a imagem pode servir como sua fonte de cura. Vidência e meditação de cura podem ser realizadas olhando para a superfície refletiva da água. Para aqueles que possuem algum dinheiro disponível e um gosto para coisas incomuns, pequenas fontes de pedra natural áspera podem ser encontradas em lojas de jardinagem e empregadas no culto. O custo para isso pode ser alto, mas a bomba da fonte precisa de menos eletricidade do que é preciso para executar um purificador de ar de tanque de peixes. O som musical da água em movimento pode aprofundar a meditação e fornecer um refúgio contra a distração das atividades cotidianas. Se você não tem a sorte de morar perto de um rio ou cachoeira, esta pode ser uma alternativa útil. A inspiração é uma das raízes do culto celta. Não há roteiros necessários para adoração desses deuses. A poesia é a sua forma preferida de invocação. Algum tempo gasto em um jardim de ervas ou entre as flores silvestres poderá facilmente inspirá-lo, como tem inspirado muitos poetas ao longo dos séculos. Mesmo se você não estiver se sentindo particularmente inspirado, há uma série de livros disponíveis com amostras de poesia celta, que podem ser usadas ou modificadas para seus rituais.

“Eu vou arrancar corretamente o milefólio, que mais benigno será o meu rosto, que mais quente sejam meus lábios, que mais puro será meu discurso, sejam minhas palavras como os raios de sol, sejam meus lábios como a seiva do morango” 


“I will pluck the yarrow fair, That more benign shall be my face, That more warm shall be my lips, That more chaste shall be my speech, Be my speech the beams of the sun, Be my lips the sap of the strawberry."


Existem muitos poemas celtas que são centrados em torno da colheita de ervas que são específicas para a cura ou para fins mágicos. A Carmina Gadelica, originalmente uma compilação com materiais poéticos em ambas as traduções do inglês e gaélico escocês, foi recentemente relançado em formato “All-english”, e é uma rica fonte que contém muitos encantos e crenças folclóricas sobre plantas, da Escócia do final do século 19. Outros poemas populares usam ervas e plantas como parte de seus simbolismos, mesmo que eles não estejam diretamente relacionados com o uso e cultivo das plantas medicinais. Estes também podem ser modificados para usar em rituais. As tríades são uma forma tradicional de textos sábios da Irlanda Céltica. Uma das tríades irlandesas fala sobre atributos de um curandeiro, dizendo: “Três coisas constituem um médico: A cura completa, não deixar defeitos para trás, e realizar um exame sem dor”. Através do nosso trabalho em rituais com Airmid, podemos nos esforçar para cumprir essas condições. Em devoção a ela, podemos trabalhar para curar a nós mesmos, e através do conhecimento de suas ervas, as pessoas próximas a nós também. Através dos nossos jardins e nossa devoção ao mundo verde das plantas, podemos mover o círculo exterior e trabalhar para curar o nosso planeta.

Texto Erynn Rowan Laurie
Traduzido e adaptado por Belenus Brigante

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