Jéf, muito obrigada de coração pela visível dedicação com que respondeu nossas perguntas. Vida longa e próspera à Ordem Walonom! Que a chama de Bríd o abençoe e a todos os seus!
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Parte I (perguntas genéricas)
Identidade
1. Como você se
intitula, como chama sua prática religiosa?
Me intitulo Waloniano, o
caminho que sigo é o da Tradição Druídica Waloniana.
2. Na sua opinião, o
que distingue sua prática de outras dentro do Paganismo Celta?
Quando a Tradição foi
pensada não havia muito movimento céltico no Brasil, isso em 2001,
redes sociais não existiam e até mesmo o acesso à internet era
bastante limitado. Toda informação era obtida através de
pouquissímos livros e revistas ( nem sempre confiáveis) e através
de pessoas que estivessem dispostas a compartilhar aquilo que sabiam,
e nossa posição geográfica ( Rio Grande do Sul) não ajudou na
interação com outras pessoas, estamos distantes do centro cultural
brasileiro. Dentro deste cenário nós buscamos tudo que pudemos para
construir as bases do que hoje chamamos Tradição Druídica
Waloniana, unindo a busca da informação com um forte sentimento
clânico, já que dependíamos basicamente uns dos outros. Por anos
ficamos completamente à parte do “cenário céltico brasileiro”
trabalhando internamente diferentes questões e construindo
instintivamente nosso estilo de religiosidade.
Após o início da
interação com caminhos já estabelecidos como o Druidismo e o
Reconstrucionismo percebemos que não nos enquadrávamos
completamente em nenhum deles e tínhamos criado uma forma
alternativa, um reconstrucionista nos achará druidistas demais e um
druidista vai nos achar reconstrucionistas demais. Como o Druidismo e
o Reconstrucionismo um dia foram pensados, criados e organizados,
assim fizemos com nosso caminho.
Não tenho experiência
com nenhum outro caminho para seguramente apontar distinções, no
entanto posso afirmar que somos permeados de um forte sentimento
clânico nos comportando como uma família, entendemos que a
espiritualidade deva ser uma prioridade para aqueles que buscam este
caminho bem como seu trabalho enquanto membro de uma micro e macro
comunidade, temos posicionamento frente a debates sócio culturais,
não achamos que o sacerdócio seja o único caminho disponível para
viver a religiosidade mas entendemos que qualquer caminho escolhido
deva ser cumprido com serenidade, honra e sabedoria e principalmente,
achamos que qualquer pessoa possa praticar nossa espiritualidade,
pregamos acima de tudo a acessibilidade imediata, sem exigir
curriculum ou formação acadêmica.
Temos como principal
proposta a popularização da religião de inspiração céltica
assim como foi feito com o espiritismo quando chegou aqui no Brasil.
Coletividade
3. Você pratica
sozinho ou em grupo?
As
duas coisas, tenho minhas práticas de culto doméstico onde tenho
minhas irmã como companheiras e o culto mais formal com o Bosque que
faço parte, o Feth Fiada. Mas também tenho um bom culto devocional,
este pratico sozinho.
4. Pertence a alguma
tribo, ordem, coven, clã?
Sim,
sou membro da Ordem Walonom e do Bosque Feth Fiada.
5. Como se dá a
entrada de novas pessoas no seu grupo?
Na
Ordem: existe um processo inicial através de um curso básico (
na versão on line ou presencial) e após o curso a pessoa que
desejar participar efetivamente deverá fazer uma entrevista com um
tutor, sendo aceito, já constará como membro ativo.
No
Bosque: deve ser membro ativo da Ordem Walonom. Deve solicitar
participação e após um período de adaptação frequentando nossos
encontros e ritos poderá passar pelas iniciações adequadas.
6. Há títulos ou
hierarquia de algum tipo em seu grupo?
Sim,
a Tradição Druídica Waloniana estabelece uma hierarquia padrão:
Os
Doer Nemed : Dedicantes >>>>> Devotos >>>>
Laoch ( guerreiros)
Os
Nemed : Faith / Draoi/ Fili ( são os sacerdotes) >>>>
Cenfinne ( são um casal, onde a mulher representa a soberania e o
homem a força da tribo, são o poder temporal e não necessariamente
preenchido por sacerdotes).
Anualmente
são escolhidos o Gamo e a Donzela ( servem como indicações para
ocuparem o cargo de Cenfinne na ausência deles )
Devoção
7. Você é
pan-céltico ou exclusivo de alguma nação ( irlandesa, escocesa,
ibérica, galesa, etc)?
Embora
meu mais antigo alvo de devoção seja Cernunnos meu foco é gaélico.
8. Como você escolheu
seu panteão?
O
ritual base, a estrutura social e espiritual da tribo são baseados
nos registros irlandeses, buscar este panteão foi automático e
natural no meu trabalho em grupo, e os Deuses gaélicos falam
diretamente ao meu coração, ouço, vejo e interajo com eles de
forma orgânica e muito poderosa.
9. Há divindades
específicas pelas quais você tenha devoção?
Sim,
em ordem de oficialização da devoção: Cernunnos, Brighid e
Morrighan. Tenho íntima ligação com mais uma dúzia e amo mais
outras, mas oficialmente sou devoto somente destes três.
10. Há algo que você
possa acrescentar a respeito dessa devoção?
Acho
que quando se torna devoto de uma divindade é necessário além de
estudar e conhecer sua mitologia, força e personalidade para
elaborar culto, oferendas e orações, é necessário trazer todos
estes elementos para a realidade, tirar o culto da virtualidade. Para
Cernunnos eu me dedico de forma mais intimista ainda, sempre foi
assim, mas dentro da minha devoção à Brighid eu criei o trabalho
das vigílias e faço procissões frequentes ao poço que dedicamos à
ela e sempre me disponho a ajudar com meus conhecimentos técnicos na
área da saúde, já sobre Morrighan criei um projeto chamado Grasnar
onde escrevo músicas devocionais, não somente em sua honra mas
usando sua força de inspiração principalmente. Para Morrighan
ainda guardo um projeto futuro e mais ousado.
Prática
11. Que elementos
compoem sua prática? Há ritos? Orações? Oferendas?
Sim,
há todos estes elementos associados a uma forte presença
comunitária. Além disso tenho meditações, visualizações e
outros elementos inspirados como o Toque, nossa versão da
incorporação.
12. Roda do Ano Norte,
Sul ou Mista?
Dentro
da TDW chamamos Grande Espiral a roda do ano solar e Pequeno Espiral
a roda do ano lunar, ambas são flexíveis no sentido que praticantes
do HS celebram pelo sul e praticantes do HN praticam pelo norte, eu e
meu grupo especificamente praticamos a sulista.
13. Datas destinadas a
determinadas divindades?
Sim,
temos algumas datas específicas para determinadas divindades como
por exemplo o culto a Crom Cruaigh celebrada em janeiro.
14. Há uso de
altares, objetos mágicos ou simbólicos, ervas, flores, alimentos ou
cristais?
Nossa
Tradição está em plena construção em diversos elementos isso
inclui o uso de cristais e correspondências de ervas e flores, no
entanto não erguemos altar, usamos oratórios ( que não são
obrigatórios) e nenhum objeto mágico. Como cremos que nosso corpo
seja a versão microcósmica da Terra, entendemos que assim como a
natureza precisamos somente aprender a usar as partes que nos
compõem, nosso corpo é nosso maior e único instrumento.
Em
alguns ritos usamos símbolos como os Quatro Tesouros dos Tuatha, mas
eles não cumprem o papel de instrumento mágico como é o caso do
Athame para os Wiccanos.
Ancestrais
e Espíritos
15. Na sua prática há
algum culto a Ancestrais, sejam eles culturais, físicos ou locais?
Há
sim, aliás é fortíssimo este elemento na prática, sempre, em
qualquer rito são chamados e ofertados os Ancestrais, bem como os
Espíritos e Deuses.
16. Há introdução
de elementos negros ou indígenas?
Não
especificamente. A religião Yorubá mantém muitos elementos
similares e até idênticos aos nossos como a sacralidade do número
nove e sua visão divina, mas optamos por não mesclar elementos de
nenhuma religião de forma direta, ou seja, mesmo que possamos nos
debruçar sobre uma ou outra prática para estudo e comparação, não
trazemos para nossos ritos e cosmovisão qualquer pedaço religioso
que não céltico, até mesmo em respeito a essas culturas.
17. Há oferendas?
Orações? Símbolos? Datas específicas?
Há
oferendas, há orações, há símbolos e lembrança e como
associamos os festivais do fogo com as luas, prestamos culto aos
Ancestrais sempre na lua nova, ela para nós está ligada às
energias do Samhain, principalmente dentro do trimestre após o
primeiro de maio.
Parte II (perguntas específicas)
1. Um dos seus trabalhos mais bonitos, na minha opinião que olho de fora, é o da Vigília Brighidiana. Fiquei feliz que você mencionou. Você pode me dizer um pouco mais a respeito de como surgiu essa prática e como ela foi estabelecida e, se possível, os resultados que você tem observado?
Este é o trabalho que mais tem me deixado feliz e satisfeito, é deveras algo muito bonito.
Eu buscava meios de atender minhas necessidades de culto, era agosto, eu estava iniciando minha guarda da chama perpétua de Brighid ( que mantenho desde 2012 juntamento com minha irmã) mas sentia que faltava algo de efetivo diferencial, tenho formação na área da saúde e sou acostumado com ações que levam ao efetivo impacto na vida dos meus pacientes, diante de alguém com dor não adianta muito pegar em sua mão e dizer “que pena”, é preciso buscar meios de aliviar seu mal, seja através de remédios ou até mesmo de massagem, mas algo de efetivo é preciso ser feito. Muitas pessoas vinham me solicitar ajuda e orientação, no entanto nunca pude oferecer nada palpável, salvo rituais e magias bastante virtuais, as pessoas não me viam agindo e não sentiam grandes efeitos.
Inspirado pelo trabalho da Ord Brighideach International comecei e elaborar o que hoje temos nos trabalhos das Vigílias, abrindo para participação de todos e iniciando guardiões oficiais, como um clero alternativo e independente. O projeto ainda está em sua fase inicial, breve teremos mais elementos compondo ele, como é o caso do Santuário Brigidiano Virtual que criamos após vermos os resultados práticos dos Naoiche e Trioiche.
Quanto aos resultados, bom, testei por quase um ano em minha vida e de conhecidos, sempre faço isso, e percebi que obtive resultados para mim e para os outros, assim abri ao mundo o projeto e temos recebido de diferentes lugares apoio, pedidos e muitos relatos de resultados, curas inesperadas, alívios imediatos, presenças sentidas por aqueles que deram seus nomes para as preces, sei de crianças que encontraram causas para moléstias até então desconhecidas e portanto não tinham tratamento eficaz, idosos que curaram de dores crônicas, enfim, temos tido muitos resultados, e tem nos dado forças para levarmos para outro patamar este projeto em específico. Quando uma mãe me ligou e disse que seu filho sorriu após semanas de internação médica com convulsões misteriosas sem causa aparente e teve alta depois de 3 dias do início do Naoiche, eu soube que era um devoto de verdade e que tinha encontrado um modo de fazer o bem.
2. Me chamou bastante a atenção sua menção sobre o Toque, uma versão de incorporação. Como isso se dá? Pode falar mais um pouco a respeito? Parece muito interessante.
O Toque aconteceu de maneira bastante experimental, aliás a experimentação é um dos nossos fortes. Percebemos em nossos primeiros ritos que uma parte de nós nos deixava e outra tomava espaço, estávamos ali mas de alguma maneira nossa consciência se modificava, eu entrava Jéferson e no meio do rito virava o Morgan ( demos nomes para nossas “versões rituais”) e meus colegas sentiam o mesmo, mudava a voz, o olhar e principalmente a energia. Tínhamos pouca idade e nenhuma experiência, mas com o passar do tempo fomos pesquisar e estudar os processos de extase religioso nas religiões pelo mundo, observamos que cumpríamos as etapas da construção básica do êxtase, e também vimos que a espiritualidade céltica moderna não fazia uso de tais etapas e querendo ou não havia abandonado os processos mais essenciais para se obter uma conexão nevrálgica com o divino. Resolvemos elaborar uma técnica para o despertar do que chamamos Toque, porque não somos tomados pelo espírito divino como é o caso da Umbanda ou Candomblé, mas sim, somos aproximados ao máximo e tocados pelas energias divinas sem perder a consciência, mas permitindo que ela deixe de lado suas amarras e limitações.
Assim definimos os meios para se obter o Toque e somente ensinamos pessoalmente, dadas as delicadas linhas que precisamos cortar e outras que precisamos criar.
De longe é o mais curioso e polêmico tópico relacionado à Tradição Druídica Waloniana e sua metodologia é nosso legado mais importante e mais bem guardado ( ha pessoas que estão conosco há mais de 7 anos e nunca foram treinadas para isso).
3. A Walonom nasceu no RS e espalhou-se, figurando como a Ordem com maior número de membros que responderam a um censo sobre Druidismo e RC realizado recentemente. Em que outros estados vivem membros da Ordem hoje? Há membros fora do Brasil?
Há membros espalhados em todas as regiões do país, ainda não contemplamos todos os estados, mas isso é um projeto para logo, somente em janeiro deste ano de 2014 é que iniciamos as movimentações para a expansão do nosso trabalho, com cursos on line gratuitos estamos atingindo boa parte do Brasil, nem todos são ou viram membros efetivos, mas tudo ainda em fase beta. Quanto ao exterior, bom, nenhum membro ainda, somente parcerias, mas já estamos pensando nisso.
4. Todos os Bosques seguem uma liturgia pré-proposta da Ordem ou há liberdade criativa dentro dos Bosques?
Há uma estrutura, regras e liturgia pré definidas no entanto aceitamos e debatemos adaptações e mudanças. Algumas práticas são adaptáveis, como por exemplo a Espiral do ano que para praticantes do HS são sulistas e do HN são nortistas ( zonas mediais ficam para debate quando houver grupos nesta linha equatorial).
5. Recentemente vi fotos de um casamento celebrado por você. Vocês realizam cerimônias de outros ritos de passagem, como batizados ou funerais? Sendo a Ordem Walonom algo construído coletivamente desde 2001, como vocês chegaram aos elementos para a elaboração de um ritual de casamento? Foi similar ao processo de elaboração dos demais rituais anuais da Ordem?
Sim, realizamos todos os ritos de passagem, inclusive ano passado divulguei uma imagem do ritual de Menarca da minha irmã, realizado por toda a tribo no exato dia de seu primeiro sangramento, comemorado com um jantar após a celebração que realizamos às margens do lago Guaiba em mata fechada. O primeiro rito de passagem que realizamos foi o de morte, perdemos uma membro menina em nosso segundo ano de funcionamento, em silêncio, unidos pela dor e pela fé ajudamos ela em sua entrada na barca que a levaria para além da nona onda. O céu respondeu com chuva.
Quanto ao casamento, eu e Viviane ( Faith do Bosque Feth Fiada) nos reunimos por um ano inteiro, pesquisando, buscando referencias elementos para erigir um casamento ritual cuja cerimônia fosse eficaz. Eu e ela juntos criamos a liturgia ritual .
6. Há mais alguma coisa que você gostaria de divulgar a respeito da sua prática, ou da prática da sua Ordem?
Sim. Walonom foi criada e se mantém independente das ordens internacionais porque antes de mais queremos estabelecer um modelo de prática que seja inspirado pelo espírito Celta mas praticado pela alma brasileira. Temos desafios, cometemos erros, temos um objetivo e vamos alcançá-lo, facilitar o acesso à informação prática, promover nossa espiritualidade, popularizar o contato com os Deuses e nunca elitizar aquilo que todos os antigos Celtas tinham no quintal de casa. Para, nós o a tribo é que importa.
Que os Deuses abençoem a todos e que o Corrente seja próspero.