quinta-feira, 10 de julho de 2014

Macha, o ovo e as duas faixas cor-de-rosa

(Por Laise Ayres)

Macha copy
Macha lança a maldição sobre os homens do Ulster
Conta-se que um fazendeiro viúvo e pai de quatro filhos, chamado Crunniuc, vivia um momento de grande necessidade. Após a morte de sua esposa, que o deixou desolado, suas terras não geravam frutos, seu gado não dava leite, e ele viu-se sozinho. Até que um dia uma mulher de admirável beleza entrou na casa dele, limpou e arrumou tudo, preparou o jantar, e sentou-se com ele para comer. Quando ele foi deitar-se, ela deitou-se com ele, e tornou-se sua esposa. Ela apresentou-se como Macha, uma senhora que não pertencia a esse mundo e tinha poderes especiais, e disse que viveria com ele dali em diante e que com ela ao seu lado ele teria fortuna e felicidade. Mas ela também pôs sobre ele um geis: ele nunca deveria revelar a ninguém seu nome, suas origens, ou seus poderes.
Fortuna recaiu sobre Crunniuc, sua fazenda prosperou e rapidamente ele tornou-se um dos fazendeiros mais ricos do Ulster, por isso o rei Conchobar o convidou para uma grande festa, onde haveria um banquete e uma corrida de cavalos. Macha, então no finzinho da gravidez, disse a ele que era melhor que ele não fosse, pois se ele fosse e falasse dela, de seus poderes ou de sua boa fortuna, tudo o que tinham se desmancharia. Seu marido a tranquilizou, garantindo que nada aconteceria. Na festa Crunniuc estava muito feliz, bebeu e comeu à vontade. Na altura em que a corrida de cavalos preparava-se para ocorrer, ele estava completamente bêbado. Alguém elogiou os cavalos do rei, dizendo que eles eram os mais rápidos de toda a Irlanda, e foi então que Crunniuc não se conteve e disse que sua mulher, Macha, não pertencia a esse mundo e por isso tinha poderes especiais, e corria mais rápido do que qualquer cavalo mesmo grávida de nove meses.
image009Conchobar considerou isso uma afronta, e obrigou que Macha corresse contra seu cavalo mais veloz para provar as palavras do marido. Crunniuc percebeu o que tinha feito e implorou misericórdia, mas o rei não lhe deu ouvidos e ordenou que Macha fosse trazida para que a corrida pudesse ocorrer. Ela implorou que aguardassem ao menos que os bebês nascessem, mas os homens não lhe deram ouvidos. A corrida foi rápida, pois ela venceu com grande vantagem. Sua velocidade era tanta que o coração do cavalo, tentando acompanhá-la, explodiu dentro de seu peito no exato momento em que a bolsa de Macha se rompeu. Ela caiu logo após a linha de chegada no topo da colina, em pleno trabalho de parto. Naquele momento ela deu à luz gêmeos, e ao levantar-se com os bebês nos seios, ergueu a voz para lançar uma maldição sobre os homens de Ulster.
“Eu sou Macha, filha de Sainraith mac Imbath.
Nenhum de vocês vai escapar da minha maldição hoje,
pois cada homem aqui nasceu de uma mulher,
suas vidas são produto da labuta de uma mãe,
no entanto nenhum rei ou multidão
me ofereceu misericórdia no momento de necessidade.
Emain Macha é agora o nome desse lugar,
pois os gêmeos nasceram bem, apesar de não terem recebido ajuda,
cercados por homens inclementes.
Como foi aqui que sofri a indignidade do seu julgamento,
então é aqui que meus filhos e eu prevaleceremos.
Cada um de vocês, homens pequenos, e seus filhos
por nove gerações sofrerão minhas dores do parto
por quatro dias e cinco noites
toda vez que ameaça ou provação recair sobre o Ulster.”
Com essas palavras, Macha foi-se com seus bebês de volta para o sídhe, deixando para trás Crunniuc desolado e solitário, para retornar para sua fazenda, que nunca mais conheceria prosperidade novamente. Após isso, no relato do Táin, Cuchulainn é o único apto a lutar contra Connacht, pois todos os guerreiros do Ulster estão debilitados pela dor da maldição de Macha, e a colina, que fica em Co. Armagh, na Irlanda do Norte, ainda é chamada de Emain Macha, “gêmeos de Macha”. Estive lá em julho passado, e é uma colina alta, arredondada, de um lindo tom verde-amarelado. De pé no topo dela é possível ver terras a grande distância, e na base ainda é possível ver os furos de uma antiga paliçada. É um lugar de grande energia, um dos que eu mais queria ver na viagem, e que mais mexeram comigo.
Macha é considerada uma deusa dos cavalos, da Soberania da terra, da fertilidade e da maternidade. Relacionam-na a Rhiannon e a Epona por sua conexão com cavalos, e a Morrighan pois é citada no Lebor Gabala como parte do trio Badb, Morrighan e Macha como deusas da batalha. Quando ela é citada desta forma, referem-se a ela como o corvo que vem ao fim da guerra para alimentar-se dos cadáveres, e as cabeças decapitadas eram chamadas de “colheita de Macha”.
Navan Fort, Co. Armagh (Emain Macha, capital do Ulster)
Navan Fort, Co. Armagh (Emain Macha, capital do Ulster)
Sinto uma forte ligação com essa Deusa. A vejo como uma mãe generosa e dedicada, porém dura e disciplinadora, que nos obriga a reconhecer que tudo tem um preço, e uma consequência. No fim de 2011, quando descobri que tinha um pólipo no útero após meses tentando engravidar, voltei-me para ela. Prometi a ela um geis, e o segui à risca. Rezei pedindo proteção, fertilidade, misericórdia. Dediquei meu ventre a ela e pedi que ela o fizesse cheio e fértil como o dela foi.
Em maio de 2012, seguindo uma intuição e algumas instruções, comprei um ovo de porcelana que pintei usando tinta vitral. Fiz bem colorido, a base rosa-perolada, uma faixa de água cortando pelo meio, e na tampa do ovo, como uma ilha, fiz um cairn bem verdinho com uma porta estreita. Dentro do ovo coloquei terra própria para plantio, e ali “plantei” dois bebês que modelei de durepoxi, representando os gêmeos de Macha. Conversei com ela e pedi ajuda, porque tudo que eu mais queria na vida era um bebê pra mim. Seguindo uma intuição súbita, coloquei também lá dentro um punhado de grãos coloridos. Toda semana eu abria a tampa do ovo, observava os grãos lá dentro, visualizava os gêmeos de Macha germinando como árvores, e visualizava o mesmo ocorrendo no meu ventre.
Meses se passaram, em julho visitei Emain Macha, em agosto retornei de viagem. Minha rotina semanal de abrir o ovo e mentalizar a semente brotando continuou, geralmente aos domingos. No fim de setembro, eu me sentia estranha, diferente. Dores estranhas no ventre, um cansaço anormal, muito sono, muita vontade de urinar, sonhos malucos. Numa sexta à noite, voltando do trabalho, comprei um kit caseiro para testar gravidez, que usei no sábado pela manhã. Minha mão tremia quando vi que não uma, mas duas faixas cor-de-rosa apareceram na tirinha: positivo! Minha cautela natural me fez querer aguardar um exame mais confiável para confirmar, mas eu já sabia dentro de mim que era verdade. No dia seguinte, domingo, dentro da minha rotina estabelecida, fui abrir o ovo e conversar com Macha, dessa vez cheia de gratidão, e fui surpreendida por algo bem insólito: ali dentro do ovo, sem luz, sem ar, sem nada, após meses trancados lá dentro, os grãos tinham brotado! Vários brotos verdes, de várias cores e formas, espetavam-se lá dentro, cheios de vida.
peixinho2
Presente que ganhei (:
Como um amigo querido foi à Irlanda semanas mais tarde e planejava passar por Emain Macha, colhi três desses brotos, trancei e fiz uma guirlanda ou coroa, que entreguei para ele levar. E ele deixou lá, no topo da colina, com os meus mais sinceros agradecimentos.
(:

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