domingo, 25 de outubro de 2015

Samhain para Crianças ou Por que você deve ver Festa no Céu com seus pequeninos



Educar ou não educar os filhos dentro dos preceitos de nossa religião é um dilema para alguns praticantes de paganismo celta. Muitos não têm dúvida e seguem a lógica “se esse é um caminho bom pra mim, será bom pro meu filho” e trabalham na intenção de fazer da religião uma tradição familiar como antigamente, quando o deus de meu avô era o deus de meu pai e então meu deus, de modo natural. Outros preferem deixar os filhos escolherem, não querem impor o que deve ser feito com amor, e optam por dar algumas orientações e deixar “a conversa” pra quando o filho tiver mais maturidade.

Minha filha fará 4 anos e sinceramente acho muito difícil decidir o que fazer,por certo não quero obrigá-la seguir minha fé, mas devo dizer que é impossível educá-la sem transmitir preceitos religiosos, a cada dia, porque nossa religião é viva e permeia nosso modo de vida.Eu ensino conceitos e idéias do paganismo a ela, querendo ou não, cada vez que cuido do jardim, limpo o altar, a ensino a se despedir do mar , ou que ela ao ver, me pergunta dos cristais, ou quando devolvemos as conchinhas pro mar ao fim da praia. Isso tudo não por obrigação, mas porque acho realmente bom e que, sendo assim, fará dela mais feliz. Ela percebe e assimila significados que podem influenciar sua escolha no futuro, ou ao menos entender bem os significados do que sua mãe pratica.

Visando dialogar com quem está interessado em ensinar os pequeninos, começo hoje a publicar uma série específica de textos com dicas de livros e filmes e como eles podem auxiliar a transmissão de idéias e conceitos pagãos. [Por favor enviem sugestões, elas são muito bem vindas para termos um troca de experiências dinâmica e produtiva.]

Começo sugerindo a participação no ESP®Pagãozinho,um dos projetos integrantes do Projeto Gaia Paganus®.Encontro Social Pagãozinho® acontece anualmente em outubro no Rio de Janeiro. Até onde sei, esse é o único evento voltado para a troca de experiências de pais pagãos, que visa promover a convivência e troca de experiência de famílias pagãs e que envolve uma série de atividades lúdico-pedagógicas de cunho pagão para crianças. Merece nossa visita não é mesmo?

Inauguro a sessão falando sobre o filme Festa no Céu, não deixe de dar sua opinião. Benção dos Antigos!

Fiz o possível pra não dar spoiler do filme ao longo do texto, na intenção de te convencer a ver sem estragar as surpresas da trama. Festa no Céu, título original The Book of Life (O Livro da Vida, 2014),é um longa metragem de animação dirigido por Jorge R. Gutierrez. O filme conta a história de 3 crianças, Maria,Manolo e Joaquim, que são objetos de uma aposta entre La Muerte e Xibalba pelos domínios dos reinos do Outro Mundo. La Muerte e Xibalba apostam com qual dos amiguinhos Maria vai se casar e assim se desenvolve a história.

Em 30 segundos o filme propõe que vejamos as coisas de outro jeito. E cumpre, nos levando  a uma nova percepção de muitas coisas, principalmente a morte.Um  grupo de crianças que está em uma excursão, entra pelo museu por uma parede, que a primeira vista é plana, mas olhando com mais cuidado fornece a entrada para a parte secreta do museu, onde está o Livro da Vida, aos pés de uma árvore incrivelmente colorida. Em minha opinião, ser pagão consiste justamente “ver” o invisível, onde muitos não vêem nada, olhar além, e o Livro da Vida estar aos pés, na raiz de uma árvore... é um prato cheio pra iniciarmos a conversa sobre o Culto aos Ancestrais, o significado da Bile, pra quem usa esse símbolo sagrado.

O filme proporciona um leque de quebra de paradigmas muito interessante, pra começar não gira em torno do amor romântico idealizado. Alguns filmes infantis tem buscado novas propostas, alternativas à antiga lenga lenga casamento-com-príncipe-genérico-é-solução-da vida-da-mulher: aconteceu em Valente e Frozen e talvez outros mais. Em Festa no Céu, aquele que encerra as características de valentia e força do “príncipe” é deixado de lado principalmente por ser muito egocêntrico, o candidato mais sincero, e que sobretudo não ameaça a autonomia  de Maria é quem a conquista.
Eu teria muita dificuldade em criar um menino, pois acho todos os filmes infantis com protagonistas masculinos, em menor ou maior grau, incentivadores de comportamento machista/ violento (moro com sobrinhos, sei o que estou falando). A repetição de  estereótipos de gênero em filmes infantis tem efeitos nocivos de todos os lados. Seguindo pela questão de gênero é muito bom ver que a mulher não é a principal, e nem necessita se casar pra ser alguém, ela é desde menina uma empoderada: livre, independente, inteligente, ciente do que quer e do que esperam dela enquanto mulher, (foge de quem idealiza o casamento pela ótica da realização de serviços domésticos), valoriza os livros e a arte, não usa maquiagem e é bonita (sim, o filme deixa isso claro). Manolo, o menino que se torna protagonista tampouco é superpoderoso, nem tem uma grande missão, nada disso, de fato, ele é simplesmente alguém comum, sem poderes,ou riqueza, com problemas, sonhos, tarefas, desejos e que vence, com seu jeito, e não com o que impõem a ele....esse seria um filme que eu faria questão de passar pro meu filho menino.O antagonista são os medos de seguir seus próprios sonhos, quer mensagem mais incrível?

Nessa quebra de paradigmas, voltando a ótica pagã, o filme trata da morte. Enquanto pagãos entendemos, ou tentamos entender, a morte como parte da vida, etapa da vida, continuação dela, o que é tarefa difícil pra nós adultos e pior ainda é como explicar a morte pra uma criança? Uma vez falei pra minha filha que meu pai estava no céu, e ela passou uma semana olhando pra cima, toda volta da creche, era uma demora, pois lá estava ela de pescoço esticado... quando perguntei, descobri que ela estava tentando achar meu pai nas nuvens, então vi que o eufemismo não tinha feito nenhum sentido pra ela e fiquei me perguntando como ser mais didática sem ser cruel (ela nem tinha feito 3 anos).
Certamente esse filme será de grande ajuda. No filme acompanhamos a trajetória de Manolo seguindo sua jornada pelo Mundo dos Vivos, e dos Mortos (que é dividido entre Mundo dos Lembrados e dos Esquecidos). La Muerte é uma personagem encantadora, benevolente, auxiliadora e “feita de balas de açúcar”, todos a adoram. A grande mensagem é que a morte não é o fim. O filme presenta um mundo dos mortos ativo, vibrante e também sua influência no nosso mundo, (claro que o aspecto positivo dessa influência, é um filme infantil gente) .A influência do nosso culto aos Mortos no outro lado não fica de fora. Quem não é lembrado fica em um lugar desprivilegiado, sem cor; o que é perfeito pra ensinar sobre o culto aos Ancestrais. 

Visualmente a representação do Mundo dos
Lembrados me fez entender a discrepância na tradução do título original para o título em português: que coisa linda! É um trabalho de arte visual e musical impressionante, repleto de caveiras mexicanas multicor. A trama não associa em hora nenhuma tristeza à morte, é nela que encontramos todos os nossos ancestrais e eles nos recebem em festa. A morte retratada ali é uma continuação da vida, é necessário enfrentar novos desafios, progredir, e claro, no Dia dos Mortos, é possível contar com a ajuda de Nossos Amados Ancestrais. Quer mais motivos?

Tem mais. O mal não é totalmente mal, o bem não é totalmente bem, não há esse dualismo delimitado no Outro Lado, há mais uma dinâmica que os move do que definições rígidas. La Muerte e Xibalba dialogam, apostam, brigam, são amigos, amantes, e há uma terceira figura, o Homem de Cera, que mantém o equilíbrio, ele é feito da cera da vela de todas as vidas, cada vida é um vela acesa no outro lado, ele também governa as cachoeiras que são passagens para outros mundos (qual é na mitologia celta). Também há no filme uma deixa sutil para conversarmos com nossos  pequeninos sobre a natureza das trocas e tratos com seres do Outro Mundo e suas conseqüências.Mas isso é pra quando estiverem maiorzinhos rsrs


sábado, 26 de setembro de 2015

Encontro Social Pagão® completa 15 anos!



Mais uma vez tive a oportunidade de estar presente no Encontro Social Pagão®, edição Brasil, o ESP®BR e dessa vez estreando como palestrante. Hellenah Friggdóttir Leão já havia me convidado na edição anterior, quando 3 Elos da Corrente, esse lindo blog ao qual pertenço, se apresentaram  e puderam falar pela primeira vez de nosso trabalho e objetivos. Eu fiquei na platéia saboreando o evento e apoiando meus amigos, esse ano enfim ,me senti preparada.



Essa edição teve chuva e pagãos resistentes enfrentando o frio.(16 graus pra carioca é muito frio gente, respeitem-nos rsrs) , ainda assim fiquei imensamente feliz de falar de Manannan Mac Llyr, um deus que tem papel de destaque em meu culto e mais ainda em ver que falei pra  algumas pessoas que sequer sabiam quem ele era, ou “o que” era Manannan.Gosto de pensar  que assim contribui um tiquinho pra cultura celta , não é incrível compartilhar, “levar” um deus a quem nunca ouviu falar dele?(oh deuses, percebo que tenho um 'q' de Testemunha de Jeová kkkkkk)
Minha apresentação sobre Manannan virou slides e já foi postado aqui.
 
Esse artigo é pra falar do evento em si, em agradecimento ao incrível trabalho de Hellennah Friggdóttir Leão que tem contribuído a 15 anos com paganismo celta no Rio de Janeiro.(não só celta, mas como é o assunto desse blog, ressalto)

Pra quem não conhece seu projeto, O Projeto Gaia Paganus® é uma associação civil de direito privado, com caráter religioso, cultural, ambiental e ativista e sem fins lucrativos. Desenvolve suas atividades baseando-se no princípio de divulgação da cultura pagã de forma geral, da educação para o reconhecimento e respeito entre as diferenças religiosas, e da difusão do preceito de união e confraternização. Entre as atividades do Projeto Gaia Paganus® estão o Encontro Social Pagão ESP® nas cidades e estados e também o ESP®BR, o FestivESP® e o ESP®pagãozinho, “além de outros projetos que ainda não sairam do plano das idéias” conta Hellennah (só eu fiquei curiosa?).
 

O ESP® possui caráter social, não havendo qualquer atividade ritualística, intenção de formar grupos de estudo, covens ou círculos nem vínculos com entidades, pessoas físicas ou jurídicas. Os objetivos são promover a UNIÃO entre os pagãos e DESMISTIFICAR o Paganismo. Apesar de o ESP® ser um evento voltado ao meio pagão de qualquer vertente, é aberto a todos aqueles que desejam apreender e conhecer mais sobre o Paganismo, independente de credo, posição social, idade, cor ou orientação sexual. Durante os ESPs® são realizadas palestras, debates, workshops, oficinas de dança, música ou quaisquer outras atividades sobre a arte e cultura pagã. Todas as atividades do ESP® são GRATUITAS. O não consumo de bebida alcoólica nos eventos é uma regra, e aos participantes é solicitado apenas levar canga pra sentar e participar do lanche comunitário.

Segundo Hellenah Friggdóttir Leão, a idealizadora do projeto, sua idéia surgiu vendo a dificuldade que se tinha a um tempo atrás quando a intenção era trilhar o Paganismo.
 “Você tinha que entrar em uma tradição ou gastar muito dinheiro com livros em inglês”,Hellenah me contou que teve a sorte de encontrar um amigo com mais tempo de estrada e disposição de indicar fontes e auxiliá-la, mas pensando em quem não tinha a mesma sorte, Hellenah  teve a idéia de ajudar as pessoas que perambulavam em busca de informação e surgiu a idéia de um encontro pra trocar idéias e conhecimento.E assim surgiu o ESP®, de maneira despretensiosa, com propósito de ajudar.

Os primeiros encontros se deram em sua própria residência, mas com o advento da internet e o crescimento do número de interessados em se reunir, o encontro teve que ir para um local público e assim chegou à Quinta da Boa Vista.

Todo mês de setembro, mês do aniversário do seu aniversário é realizado o ESP®BR, onde os organizadores regionais e demais pagãos de todo Brasil se reúnem pra 2 dias de evento com palestras, debates, danças, música e demais atividades gratuitas.

FestivESP® É um encontro sazonal voltado a vivências, workshops,oráculos(por quantia módica destinada a alguma causa social), dança, música , poesia, dramatizações e artesanato pagão com intenção de divulgar artesãos pagãos e integrar a comunidade pagã com atividades lúdicas. O evento é realizado pelos Organizadores credenciados pela PGP® em sua cidade. 

ESP® Pagãozinho é um encontro anual e local voltado as famílias pagãs, realizado no mês de Outubro visando a troca de experiências entre os pais e palestras com sugestões de atividades além de estreitar a convivência das famílias pagãs.A idéia é promover a socialização entre os pagãozinhos. Nesse evento ocorrem dramatizações de mitos pagãos, recorte e colagem e atividades lúdicas de cunho pagão para os pequenos.  O ESP®Pagãozinho inclui a possibilidade de realizar parcerias com pedagogos e outros profissionais especializados em Educação para uma consultoria a ser oferecida a pais pagãos a fim de dar suporte e auxiliar na solução de conflitos que possam surgir e envolver os seus filhos e o relacionamento familiar  e social. 

O novo site entra no ar em breve. Por enquanto é possível saber mais sobre o Projeto Gaia Paganus® no Facebook 

Qualquer pessoa interessada pode entrar em contato com Hellenah pra levar o Esp® para sua cidade, desde que se vincule ao Projeto Gaia Paganus® e, claro, respeite as normas do evento.
Vale lembrar que todas as atividades do Projeto Gaia Paganus® são de caráter lúdico e social, não havendo qualquer atividade ritualística, intenção de formar grupos de estudo, covens ou círculos nem vínculos com entidades, pessoas físicas ou jurídicas.

Nossa gratidão a Hellenah Friggdóttir Leão e todos os organizadores e colabores da Gaia Paganus pelo tempo dedicado à comunidade pagã, em momento dos 15 anos de atuação.Obrigada.

sábado, 8 de agosto de 2015

Cruz de Parshell passo a passo

Apresentamos mais um material exclusivo pra vocês. Novo vídeo sobre a Cruz de Parshell, um passo a passo para a confecção do amuleto.Já assinou nosso canal no You Tube? Corre lá pra não perder nenhuma novidade e acessar os outros vídeos disponíveis em no Corrente RJ- Paganismo Celta Unificado.
Agradecimentos aos colaboradores e amigos da Ordem Walonon Viviane Melo e Jeferson Matthes (Nathair Dorchadas), juntos somos mais fortes!
Mais uma produção exclusiva  pra todos vocês.
Espero que curtam!

https://www.youtube.com/watch?v=F8JwPRQ1PAA

quinta-feira, 11 de junho de 2015

A Morrighan – uma percepção pessoal

A princípio, eu iria escrever o resumo de minha palestra do ESP®BR de 2014. Mas o número de pedidos para escrever um artigo mais completo foi muito grande. Então, atendendo a pedidos, lá vai. (Ignorem os erros de português rsrs)

A Morrighan – uma percepção pessoal – primeira parte.


No ano de 1987, após um breve “namoro” de 5 anos, resolvi “noivar”. Não se tratava de um relacionamento com outro ser humano, e sim com a
Deusa Morrighan. Achei a comparação pertinente porque é nesta fase do relacionamento humano que passamos a conhecer mais profundamente alguém, para aí sim, podermos assumir um compromisso maior. Até então, nos 5 anos de “namoro” houve um conhecimento superficial, mas a coisa não podia ficar assim. Meu coração me chamava a cada dia a um compromisso bem maior. Foi então, que comecei a minha guerra pessoal, sim uma guerra, pois a falta de material e de gente com conhecimento DELA fez da minha busca uma luta contra uma série de barreiras para adquirir conhecimento. Foi nesta luta Quixotesca, contra moinhos de vento é que me veio uma luz. Eu deveria buscar contra meus princípios pré-estabelecidos de criação e de sociedade. Compreender dentro do “clima” do povo que a cultuava, qual seu papel para eles, e assim chegar ao fundo da questão de seu culto. Comecei a pensar em rituais de conexão com aquele povo, comecei a meditar e dentro de horas, dias, meses e anos da minha vida, tive essa busca por entendimento alcançado com muita alegria, apesar de ter passado por muito sofrimento, de ver minhas ideias desfeitas, minhas emoções bagunçadas, meus conceitos destruídos e derrubados, até nada restar de minha “atitude pessoal”, de não ser mais minhas ideias, e sim, do que era o culto a ela, não ser mais meus pensamentos e sim o que eu deveria entender.  Não questionar, apenas entender.
                Tive que ver que a cultura da morte em nossa sociedade moderna é vista como algo ruim, antinatural, triste, sombria e velada. Sim velada, porque as crianças em sua maioria absoluta na sociedade moderna não veem os mortos, não vão a enterros, não visitam doentes em estados terminais, e crescem sem ter a morte como algo que sempre alcançará os vivos. As explicações dadas às crianças quando alguém da família ou alguém muito próximo morre, dificulta ainda mais esse entendimento. Frases do tipo “virou estrela” ou “foi pro céu” ou ainda “foi morar com o papai do céu” faz com que essa criança não veja que o corpo, aquele corpo que até então falava, sentia, amava, parou. E se dá a ela uma falsa espiritualização que ela não entende de uma alma que ela nunca viu, e que foi para um lugar para qual ela também não tem a real certeza de existir. Criamos seres humanos que não compreendem a morte, que não a veem e por esta razão quando se fica face a face com essa companheira inseparável de todos os vivos, nos desesperamos e nos ressentimos com ela quando adultos.



               Comecei a pensar o porquê de não ter nenhum achado de templo ou de culto para essa Deusa, e nestes meus pensamentos e meditações e ritos de esclarecimentos, custou-me a ver a resposta que era tão simples, e que estava em baixo de meu nariz o tempo todo para aquele povo.  Pra quê? Sim, a resposta era pra que as pessoas cultuariam a morte em templos, se essa era a única coisa que com certeza não vai te faltar ou te abandonar.  Vamos, pensem comigo. Eles viveram em uma época onde a comida é difícil conseguir, não existem antibióticos, nem supermercados, farmácias, luz, e outros luxos que temos hoje em dia. E que ao descascar uma simples batata e dar um pequeno corte na mão, eles poderiam morrer de tétano ou uma infecção poderia mata-los de uma hora para outra. Pra que vou cultuar a morte em um lugar específico? Ela deveria “andar e passear” entre aquele povo. Quantos morriam em um ano? As crianças deveriam “ver a morte” a todo tempo. E como não encará-la com naturalidade? Poxa, naturalidade, não alegria. Alguém deve estar se perguntando então: Por que não temos altares ou outra forma de culto doméstico? A resposta é simples também. Não é porque eu convivo com ela, a vejo, sinto sua presença constante, que eu vou querer ela por perto, sendo “trazida” para dentro de minha casa né gente. Alguém em seu juízo perfeito pensa: Já que eu vou morrer, vou ficar pedindo  a morte pra ficar pertinho de mim – É claro que não. Todos a conheciam, mas ninguém verdadeiramente queria sua visita. É natural e normal querer viver e amar a vida. A não ser que sua vida e a vida de seu povo estejam ameaçadas. No caso de uma guerra que foi declarada, por exemplo, aí pedimos pela morte do inimigo. Viram como lutamos para viver? Quando a guerra chegava, e ela chegava com frequência naquelas paragens, era a hora de chamar a morte. De cultuar a morte. De ofertar para a morte. E de pedir a morte. Mas aí está a questão. Você não está chamando SUA morte. É a morte do inimigo do seu povo, e aí está a grandeza dessa Deusa. Ela dá a vitória (vida por mais tempo) e sua soberania para quem ela quer. Essa é sua grande e REAL função. Deixar “viver” mais um pouco.
                Nessas guerras, se pedia que elas estivessem nas mãos dos nossos guerreiros, na ponta de suas lanças e espadas, na flecha certeira atirada, no golpe fatal. E se pedia também que se ela nos viesse “beijar” que fosse um beijo rápido. O beijo dos maridos ao se despedir de suas esposas ao sair para o trabalho. O beijo dos que já se conhecem por longas datas, o beijo da amizade onde o tempo venceu o tesão,  e o amor mais em paz foi plantado e deixou nascer o maior dos sentimentos, a cumplicidade do coração de velhos amigos. E que ao acordar deste beijo ligeiro, que é a despedida da vida, que é nosso maior amor terreno, pudessem eles abrir os olhos, já não os olhos carnais, e estivessem em um lugar muito bom para onde só os justos, valentes e honrados vão. Mas antes de amar a morte, deixo mais uma vez claro que aquele povo amava a vida. Amava respirar, comer, beber, ver seus filhos crescerem, fazer sexo, tudo que a vida nos proporciona, e queriam acima de tudo, continuar bem vivos. Por isso eu digo, minha senhora não é a Deusa dos campos em flor, não é a Deusa do leite e da brisa fresca de uma manhã de primavera, ela é a destruição do inimigo, ela é o alívio da doença, ela é o bebê que parou de respirar. Ela é o fim dos sonhos, o  fim do amor, o fim da alegria, o fim da vida que sempre chega para ambos os lados.
                Eu pergunto: Você acha que nas batalhas ela era chamada para espalhar flores no campo? – Claro que não.  Dar leite morno e fresco para os guerreiros inimigos? – Não. Era sangue, vísceras, braços mutilados, decapitações, derrota. Era esse o clamor de quem a chamava naquele momento. Era esse o desejo mais profundo para os seus inimigos. E quem estiver aí com uma ideia diferente em mente, ou é porque não entendeu o significado de seu culto ou quer por “panos quentes” para aliviar ou suavizar algo que não tem suavização.
                É triste ver pagãos querendo justificar ou aliviar seus cultos para serem aceitos em uma sociedade moderna e como a nossa brasileira, cristianizada. Plantar beleza e docilidade onde não existe para nos assemelharmos aos ideais cristãos de paz, amor e fraternidade, pois se não vamos fritar no inferno, para mim é vergonhoso.
                Ouvi desde minha infância que menino mal e menina desobediente, e quem deseja mal ao seu próximo Deus castiga, e vai parar no inferno. Não é isso que a gente ouve? Pois é... Mas,  voltando aquele povo, eles queriam de verdade que o inimigo morresse, fosse esmagado e aniquilado para não mais se levantar. Porque essa era a garantia de suas vidas, da vida de seus filhos e de seus descendentes. Daí,  “clareou” meus pensamentos de que, naquele momento, era feito o culto a Morrighan entre os Celtas. E sim, isso era “sinistro”.
                Muitos sabem que nas soleiras de algumas portas tinham um buraco muito especial. Como uma espécie de prateleira,  E nela era colocada uma cabeça. A cabeça geralmente de um inimigo, aquele que lhe trouxe problemas, ou o que foi morto em uma batalha. O que seria isso se não um aviso aos que ali passassem do tipo: “Quer sua cabeça no seu pescoço? Então seja honrado comigo, e não tente roubar minhas terras, e nem me faça algo desonroso”. Além disso, considero este como um amuleto de proteção, e também uma oferta de vitória para a Deusa da morte e da guerra. Sim, eu interpreto essa cabeça como um amuleto e um culto a Morrighan, em uma forma de oferta de gratidão do dono da casa pelo serviço bem feito Dela. Ele estava vivo, já o inimigo... Bem, não teve a mesma sorte. E o que dizer dos achados de dezenas de corpos bem arrumados, montados e distribuídos em covas, onde estes foram provavelmente prisioneiros de guerra sacrificados? A quem? Por quê? Acho que a resposta automaticamente foi dada. Uma grande oferta de agradecimento. Por este motivo, ao ver algumas pessoas sinalizando o culto de Morrighan como algo menos mortal e duro, para mim é algo inconcebível. Vejo muitos outros dizerem por aí que “A Deusa evoluiu” que os Deuses evoluem, e que por essa razão não é mais assim. E esse culto se adaptou e não é mais esta energia mortífera que cultuamos, e eu me pergunto, como assim? A Deusa era “atrasada”? Teve que evoluir como um Pokémon? Ou eu que não quero ver que nada na vida muda, e que tudo é um grande ciclo? Ou ainda,  eu quero que esta energia evolua para caber nos meus moldes pessoais, onde já não consigo compreender por visão curta social e espiritual que aquilo é monstruosamente sinistro, mas é de uma beleza incomparável?  As guerras acabaram? – Não. Ainda tem gente que se mata como no Oriente Médio. Sim, e sempre existirá a guerra e a morte. Porque o ser humano não é igual, pensa, sente, age diferente. E sempre existirão disputas onde o sangue será derramado,  para que as nossas necessidades, a necessidade do campeão, prevaleça. O mais forte toma a terra. O mais forte come, porque esta é a lei natural. Para que um possa viver, da planta ao gado, uma vida será tirada,  para que a outra possa viver uma morre sempre.
                É duro, mas é a vida. Pode parecer triste, mas é um fato. Conviver com este fato de bem com a morte e com a vida é a única escolha que nos resta. Ou tentar justificar nosso culto com ideias evolutivas sem sentido.
                Bem, eu sei que muitos não irão concordar. Não sou dona da verdade, quem sou eu? Mas eu vejo cada coisa em seu lugar desde que o mundo é mundo. E acho que tudo tem sua beleza. Acho ainda que tudo está em seu lugar com sua devida importância,  e é simples para mim. Assim como claramente consigo distinguir sentimentos como amor, ódio, bem, mal, verdade e mentira. Para mim, nenhum deles é igual, mas vejo beleza em todos. Escutamos às vezes por aí que o mal e o bem dependem do ponto de visão, e que a verdade e a mentira dependem do aspecto pelo qual elas são observadas. Eu discordo. E acho inclusive que essa é a desculpa dos fracos ou dos sem caráter. O mal é mal. O bem é bem. A verdade sempre é a verdade. E a mentira por mais que disfarçada, sempre será mentira. Não misturo sentimentos, nem os confundo, e por isso não gosto de pessoas em cima dos muros. Para mim, são sentimentos bem distintos e situações bem separadas. Consigo ver beleza e necessidade em ambas. Mas eu nunca seria falsa o suficiente para fingir ou trocar um pelo outro.  E assim eu enxergo os meus Deuses. A Deusa da morte é dor e destruição do que é vivo, o que é uma lição para quem vê que nela está o equilíbrio. A Deusa do lar é a protetora de nossa casa, e temos que ver nela a alegria de ter conforto, família e herdeiros. E assim por diante. É nesse equilíbrio que eu creio, e não na “igualdade”. Acredito na dualidade sem misturar suas faces. No vencedor e no perdedor. O que ficou vivo e o que ficou morto. O que tem saúde e o doente.
                Estou escrevendo isso para mostrar que esses são pontos da vida que não se misturam, ora estamos em um estágio, ora em outro, e isto é um equilíbrio. Da mesma forma eu não misturo os meus Deuses. Eu não acredito na unificação dos Deuses em um, como alguns outros pagãos fazem. Este é um aspecto pessoal. Condeno quem o faça? – Não. Apenas eu não o faço. E é desse modo que eu enxergo Morrighan. Ela não evoluiu, ela É. Ela não alterou o seu aspecto, ela É. Ela não se adaptou ao mundo moderno, porque ela não precisa se adaptar nem a mim, nem a você. Porque a morte é o contrário da vida. E sempre que surgiu a vida, ela É. O mundo tecnologicamente “melhorou e evoluiu”, mas nossos sentimentos em nossos corações e almas ainda são os mesmos. Não evoluem. A morte existe, sempre existiu e sempre existirá, porque ela é um aspecto imutável, assim como os nossos sentimentos. Nunca surgirão novos, porque eles sempre existiram no mundo. São os mesmos, não evoluem. Amor, ódio, paixão e fé, entre tantos outros. E Morrighan pra mim, é o mais profundo dos sentimentos, o imutável, Morrighan É.


          Sentimentos não se misturam você ama ou odeia, mesmo que seja a mesma pessoa em momentos separados. Você é um mentiroso ou verdadeiro. Você tem honra ou não. Um sentimento passa por cima do outro, muda de ódio para amor ou vice versa, mas são sentimentos completamente distintos embora convivam. E é por essa razão que eu digo que não é porque a palavra é soberania que ela está ligada diretamente a bons acontecimentos. Minha maravilhosa Deusa dá a soberania a aqueles que conseguirem ver nela a honra da guerra, a felicidade da vitória em cima dos inimigos e em ver que suas ofertas são ofertas de comidas, bebidas e também de sentimentos profundos, como desejos de vingança, ódio e quem sabe até morte. Ela come e ela bebe daquilo que sempre foi e sempre será a sua oferta (mais tarde falarei sobre ofertas de Morrighan e sobre seu outro aspecto que é o sexo). Comidas e ofertas estas às vezes tão diferentes das nossas, porque hoje vivemos muitas das vezes de maneira mais tranquila e pacata. Mas devemos respeitar sua energia, suas ofertas e sua maneira de ser, pois também temos nossas batalhas pessoais, e os nossos perigos no dia a dia, e ela deve estar sempre agradada e de prontidão a nos proteger. Pode ser que suas ofertas de comida, bebida, e sentimentos nem sempre agrade a todos, mas quem agrada? A única coisa que podemos fazer é cultuá-la ou não. Mas mudá-la para encaixá-la em nossos moldes estreitos e pessoais, para mim é desrespeitoso e um tanto quanto covardia.
Morrighan, sua energia e seu poder são para poucos. Os poucos que tiverem espírito duro para compreendê-la, ou entendimento para saber que tudo está em seu devido lugar.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Torc - Um símbolo além da ornamentação.

É muito comum visualizarmos imagens de Deuses, heróis e até mesmo pessoas normais utilizando um adorno peculiar em seus pescoços, de modelos variados e feitos de vários materiais, desde o ouro, a prata, ou bronze. Esta jóia é o Torc.
 
Foi com esse objeto, que se popularizou o reconhecimento de uma figura como celta.
 
Gaulês moribundo
A exemplo, temos o Gaulês moribundo, a representação romana mais conhecida de um guerreiro celta, que usa um Torc. Cernunnos presente no caldeirão de Gundestrup possui o mesmo simbolismo na mão e também adornando seu pescoço e  existe também uma escultura Hallstatt do século VI em que o homem é identificado como um celta pelo Torc que usa.
Cernunnos - Caldeirão de Gundestrup

Era apenas mais um dos adornos que os celtas gostavam de utilizar? Sim, esse conjunto de tribos que assim foi denominado gostava muito de se enfeitar. Mas seria mesmo apenas uma jóia?
 
Poseidonius faz a seguinte citação:
 
"À franqueza e vigor do temperamento (dos celtas) devem ser inclusos traços de jactância (prepotência, arrogância, ato de gabar-se) infantil e amor por decoração. Eles utilizavam ornamentos de ouro, Torcs em seus pescoços e braceletes em seus braços e pulsos."

Guerreiro de Hirschlanden - Séc. VI Hallstatt
Poseidonius descreveu os povos celtas com "deleite à ostentação berrante" que melhor se traduz por Torcs altamente elaborados e impressionantemente grossos e pesados.
 
O que me leva a crer que o objeto de grande ostentação era algo que poderia ser superior a uma jóia, um símbolo embuído de algum poder, ser ligado a realeza e até mesmo possuir simbolismo mágico.
 
Polibio também escreveu sobre o medo dos soldados romanos ao encontrarem guerreiros celtas possuíndo Torcs de ouro e braceletes.
 
Muitos foram encontrados ao longo da história por arqueólogos, de diversos metais e formas, muitos se encontram hoje em Dublin, no Museu Nacional da Irlanda.
 
Uma crença poderosa foi descrita por várias narrações. O que também reforça a minha especulação.
 
Nas escrições a respeito da Rainha Boudicca, os escritos enfatizaram bastante seu grande colar torcido e dourado, pelo qual se denota que eles tenham sido atingidos por esse símbolo de força. Na guerra, claramente foram considerados símbolos de força e autoridade.
 
Existe um conto, que sugere o poder místico que seria imbuído ao Torc, do guerreiro romano T. Manlius Torquatus, que teria ganho seu nome após ter roubado o Torc de um guerreiro caído. Ao roubar o artefato, o mesmo "captura a essência" da força do guerreiro e a confere a si mesmo.
 
Também há evidências de servirem como oferendas em rituais ou utilizados apenas com intuitos ritualísticos, pois muitos dos Torcs que foram encontrados em áreas pantanosas ou ribeirinhas tinham um peso absurdamente grande, o que impossibilitaria o seu uso ou o restringiria ao uso por curto espaço de tempo, como sugerem alguns arqueólogos.
 
São Cynog
Símbolo intimidador nas batalhas e de realeza. Essas características se mantiveram mesmo após a chegada do cristianismo, como mostra o conto de São Cynog, neste, o mesmo ganhara um Torc de seu pai, e o utilizava em sua cabeça. Durante sua vida, o mesmo passou por diversas situações onde esse instrumento místico salvara sua vida e até mesmo indicara o local onde deveria ser enterrado. Na primeira história o vemos proteger uma viúva e sua família,  ficando este sentando a noite toda a porta de sua casa, com o intuito de tentar conter uma horda canibal de invasores lideradas por um chefe que assassinava todos aqueles que se encontravam em seu caminho. Ao encontrar o chefe na madrugada, o mesmo barganha a vida da viúva e sua família oferecendo-lhe um pedaço de carne de sua coxa, no que o chefe imediatamente corta e começa a saboreá-la. O santo volta na noite posterior e vendo que o chefe voltara a porta da viúva e tenta comer mais um pedaço de seu corpo, retira o Torc de sua cabeça e acerta a cabeça do chefe (disse o Santo que recebera inspiração divina), que cai morto na mesma hora. A horda cheia de medo, foge do lugar e nunca mais é vista. Em uma segunda história, sobre o famoso Torc de Cynog, um ferreiro debocha e não acredita na história contada sobre a morte do chefe canibal, retira o Torc de Cynog e dá com toda a sua força um golpe de bigorna no objeto. Deste, sai uma lasca que perfura o cérebro do ferreiro e este cai morto instantaneamente. E ainda em uma terceira história, por inveja e raiva, um grupo parte para assassinar São Cynog, cortam-lhe a cabeça, e este com ela pendurada caminha por um longo espaço de tempo até que um dos algozes decide retirar o Torc da cabeça de Cynog e este sem o poder da peça cai por fim morto.

Como podemos observar, essa peça tão famosa utilizada pelos celtas como símbolo de status, poder e divindade, foi utilizada também posteriormente, por nórdicos e até mesmo por várias "imagens" cristianizadas.
 
Existem ainda diversos outros mitos e relatos do poder desta jóia. O que me leva a crer cada vez mais, que muito mais do que uma simples representação de poder e beleza, o Torc foi e ainda é um canal com o divino.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Grogoch

O Grogoch é uma fada irlandesa que tem suas origens numa terra próxima: a Escócia. Talvez por isso sua presença seja mais notada ao norte da ilha irlandesa, em especial ao norte de Antrim, Ilha Rathlin e partes de Donegal. Essa fada também pode ser vista com frequencia na Ilha de Man (Não Ilha do Homem como algumas pessoas dizem).
O grogoch é visto como um homem de avançada idade, do tamanho de uma criança e coberto de pelo, geralmente avermelhado. E assim como o Leprechaun, não há evidência de fêmeas de sua

espécie. Essa fada é suja, de pelo emaranhado... Já deu pra notar que não é uma fada que cuida muito de sua higiene pessoal. Inclusive, sua presença aparece em expressões como "parecer um velho grogoch" quando uma criança tem um cabelo um pouco rebelde nas proximidades de Waterfoot, no condado de Antrim. Pra mim, isso já é bullying! Campanha pra shampooo pra cabelos de grogoch já!!!
As casas dos grogoch são ditas como cavernas, tocas ou qualquer tipo de abertura ou fenda na terra. Também associam as chamadas "leaning stones" (2 pedras verticais inclinadas uma sobre a outra) como suas casas. Há relatos de que ao entardecer, em algumas partes do norte da Irlanda em que hajam essas pedras, é possível ver um grogoch sentado próximo a elas, fumando, relaxando... cabelo grosso e emaranhado, sentado ao pôr-do-sol relaxando e apreciando a vista: o grogoch é um surfista!!! 
Piadas a parte, os grogochs são, ao contrário de várias outras fadas irlandesas, benevolentes, de boas maneiras e não gosta de pregar peças em humanos. E por essa natureza tão afável, é possível tê-los como bons ajudantes em trabalhos domésticos. Apesar de sua área de atuação ser fora da casa como trabalhar a terra, arrumar lenha ou simplesmente carregar coisas, ele também pode ser encontrado dentro de casa, ajudando uma pessoa em seus trabalhos, especialmente na cozinha e limpeza. E por ser bastante hiperativo, pode às vezes atrapalhar quem estiver cozinhando ou realizando qualquer outra atividade. Porém, o grogoch, como todas as outras fadas, tem o poder de ficar invisível, monstrando-se, somente, para os humanos que confiam e que não são preguiçosos. Com os preguiçosos, ele costuma acordá-los pulando em sua cama, mexendo em seus rostos ou simplesmente cutucando-os até que levantem e façam alguma coisa produtiva.
Diz-se que como outras fadas da terra, o grogoch não aceita presentes pelo seu trabalho, podendo ficar estremamente triste se os receber a ponto de deixar a casa e nunca mais voltar. No entanto, uma caneca de creme já o satisfaz.
Quem conhece as histórias de Harry Potter já deve ter associado o grogoch aos elfos domésticos, porém, uma curiosidade é que um outro nome pra esta fada é "gruagach". Uma típica fada escocesa, associada aos Brownies (não o bolo, mas o ser) que tem exatamente a mesma função de um elfo doméstico de Hogwarts. Inclusive, todo castelo tem seu gruagach e na cozinha, próximo ao fogo, um assento para que a fada possa sentar. Há uma casa na Escócia que acreditava ser assombrada por uma dessas fadas até o início do século XX e um dos cômodos da casa foi chamado por séculos de "seòmar bhrùnaidh" (Quarto do Brownie em gaélico escocês). Mas ao contrário do grogoch, o gruagach escocês é unicamente doméstico, e bem asseado.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Pooka

A Pooka (ou Púca em irlandês, que significa "espectro", "fantasma"...) é uma das fadas mais temidas pelos irlandeses por ser uma dos sídhe mais maliciosos, "badass" e por poder assumir as mais assustadoras formas possíveis e imagináveis e também as mais sedutoras.
Em áreas remotas de Down, esta fada se mostra um pequeno goblin deformado que exige parte da

plantação ao final da colheita. Em partes de Laois, a pooka assume a forma de um ser espectral que aterroriza todos que estejam fora de suas casas à noite. Em Waterford e Wexford, aparece como uma águia com enormes asas. Em Roscommon, como um bode negro com chifres curvados. Ou como um cavalo negro que tem uma fumaça incandescente saindo de seus olhos e boca.
Independente de como apareça, a púca tem a tendência a querer machucar humanos, seja física ou psicologicamente. Tomando como vítima aqueles que perambulam à noite pelas estradas. Quem já teve a oportunidade de andar a pé por essas estradinhas do interior irlandês sabe que se sente o tempo todo olhos nos vigiando. Existem contos que relatam viajantes que se perdiam e quando encontrados diante de uma casa, eram convidados a entrar e passar a noite só para na manhã seguinte acordar a beira de um precipício ou simplesmente não acordar. Tudo pelo poder de ilusionar os pobres mortais.
Porém, como sempre, muitos folcloristas descrevem ações da pooka que não condizem com sua natureza maléfica. Existe um caso recolhido por Lady Wilde que conta a história de Padraig, filho de um fazendeiro, que um dia percebeu a presença invisível de uma pooka nas redondezas. Padrig então o chamou e ofereceu seu casaco à fada. A fada apareceu na forma de um jovem touro e disse para o garoto ir ao moinho à noite. Daquele dia em diante, as pookas iam secretamente à noite realizar o trabalho de moer o milho até formar farinha, até o dia em que Padrig deu-lhes de presente uma peça de roupa feita de seda. Com este presente, os pookas nunca mais voltaram ao moinho, mas mesmo assim, o fazendeiro já tinha conseguido bastante dinheiro para dar uma boa educação a seu filho e se aposentar. Quando Padrig se casou, as fadas deixaram para ele um presente, um cálice de ouro cheio de um líquido desconhecido, mas que assegurou sua felicidade por toda a vida.
Algumas outras vezes, a pooka, avisa os humanos sobre perigos ou realiza profecias quando apropriado. Diz-se que numa colina de Leinster, um lustroso garanhão surgiu num dia de novembro e que respondia de forma própria e inteligente a todos sobre qualquer assunto até novembro do ano seguinte. As pessoas costumavam levar presentes e deixar aos pés da colina.
E esta é uma das formas em que o pooka mais se apresenta, um grande cavalo negro. Até bem recentemente, ao sul de Fermanagh, uma tradição dizia que este mesmo cavalo falante surgia durante o Bilberry Sunday (uma espécie de festival da colheita que acontecia ao final do mês de julho em que se juntava todos os mirtilhos - fraochán em irlandês.)
O Ard Rí (O Grande Rei), Brian Boru, foi o único a controlar as pooka. Brian Boru, usando um arreio contendo 3 pelos da calda de um pooka, montou o cavalo mágico e o cavalgou até que o animal se rendesse à sua vontade. O Rei então conseguiu duas promessas da fada: que elas nunca mais atormentariam os cristãos e arruinariam suas propriedades e que nunca mais atacasse outro irlandês (mas os estrangeiros estão permitidos), exceto aqueles que estejam bêbados e/ou fora de suas casas com intenções más. No entanto, parece que estas promessas foram esquecidas ao passar do tempo, pois casos associados ao pooka continuam até hoje.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Changelin

Aparentemente este Sí não anda mais aparecendo no mundo humano, mas por via das dúvidas, vamos conhecê-lo. A crença neles parece ter durado até o final de 1800 na Irlanda, quando uma mulher (Bríd Ní Chléirigh ou Bridget Cleary) foi morta pelo marido porque ele acreditava que ela era um changeling.
O Changeling é na verdade um nome um tanto vago. Se trata nada mais do que quando uma fada troca seu filho por uma criança humana. Ao que tudo indica, com a chegada do Cristianismo e com a evolução do pensamento científico no mundo, as fadas se recolheram para o subterrâneo já que os humanos não acreditavam mais nelas. E com isso, os sídhe ficaram fracos, não conseguindo mais ter filhos fortes e saudáveis. Assim, eles observam o mundo humano atrás de bebês não batizados ou cujos pais façam muito alarde pela beleza ou habilidades. A criança humana é levada para o Outro Mundo para ser criado pelas fadas e a "fada-bebê", deixada na casa humana, tem o dom de trazer problemas para a família.
O Changeling (a criança que fica) pode ser também um objeto inanimado enfeitiçado pelas fadas afim de enganar os humanos enquanto o verdadeiro filho é cuidado pelas fadas. Neste caso, recebe o nome de "stock". Durante muitos anos, teve-se como regra algumas características físicas e psicológicas para identificar um changeling. Coisas como olhos muito negros, deformidades físicas, crianças muito caladas e tímidas... outra característica comum seria, desta vez positiva, uma apitidão incomum para a música. Ao crescerem, os changeling encontrarão um instrumento musical pelo qual se interessem mais (geralmente o violino ou a gaita de foles irlandesa) e o tocará tão brilhantemente que os humanos que o ouçam se enfeitiçarão tamanha a beleza. O Changeling também é reconhecido pela sua gula, comendo tudo o que se coloca diante dele e ainda assim não se saciando.
Os changelings não costumam viver por muito tempo, alcançando 2 ou 3 anos geralmente. Mas se por algum motivo seu túmulo seja aberto, apenas um graveto ou um galho de carvalho será encontrado dentro do seu caixão. Alguns vivem mais, porém não passam da adolescência.
Existem algumas práticas um tanto quanto bizarras para se expulsar um changeling e recuperar a criança humana como fazê-la ingerir um preparado de ervas específicas que queimará o interior da fada, fazendo com que ela volte para o seu reino. Outro é conseguir enganar a fada fazendo com que revele sua verdadeira natureza.
Mas a melhor maneira é prevenir. Os antigos batizavam logo suas crianças e como garantia, deixavam um crucifixo benzido sobre o berço, ou pregos de ferro ao redor da cama da criança. Cobrir a criança com uma peça da roupa do pai enquanto dorme também era uma maneira de se prevenir da troca.
Existe um relato de um changeling na região do condado de Fermanagh:

"Eu vi um changeling uma vez. Ele vivia com dois irmãos mais velhos além de Dog's Well e parecia um macaco malformado. Ele tinha 10 ou 11 anos mas quase não conseguia andar, mancava muito. Mas tocava a whistle [um tipo de flauta irlandesa] melhor do que ninguém. Antigas melodias que as pessoas já não lembravam, era tudo o que ele tocava. Então, um dia, ele se foi e nunca soube o que aconteceu com ele."

O changeling é uma criatura muito comum no folclore europeu, presente em terras celtas e escandinávas. Porém também pode ser encontrado na África, em países como a Nigéria ou na Asia, como nas Filipinas.
Se por acaso você acha que se casou com um changeling, não tem muita coisa a fazer agora, né? Pense em como vai ser bom ir visitar os sogros no Outro Mundo! 

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O Grey Man

O Grey Man é uma versão gaélica do Yeti do Himalaia. E assim como sua versão tibetana, o Grey Man é misterioso e sinistro. Em locais ao Oeste da ilha, o Grey Man é conhecido também por "Velho sem ossos". Ao Norte é conhecido por "Brolaghan" (Sem forma).
Acredita-se que na verdade, o Grey Man seja a forma etéria de uma divindade celta do clima, ou deus da tempestade que teria sido adorado pelas comunidades costeiras por volta de 1500a.C.
Por ser tão misterioso, este sí (Sí ou Shee é como se nomeiam as fadas irlandesas de maneira geral)

tem várias formas descritas, podendo ir de uma sombra se movendo em direção ao sol, ou um homem de grandes proporções enrolado numa capa cinza, podendo ser também visto como uma névoa de forma humana habitando o mar ou o avistando sobre uma montanha. Inclusive, há um local no condado de Antrim (Irlanda do Norte) em que há o que se chama de "Grey Man's Path": uma gigantesca pedra que passa por cima de um precipício. As lendas dizem que na verdade seria o local por onde o Grey Man passaria para observar o mar.
Sua forma enevoada pode ser sentida, tanto nas grandes cidades como no campo. O cheiro de sua capa é forte e impregnante, portanto, quando se sente aquele cheiro horroroso no ar, Grey Man no pedaço. No entanto, o Grey Man não é uma criatura adorável e fedorenta. Ele tem prazer com a perda de uma vida humana. E para isso usa sua mágica, enviando névoa e escondendo rochas pela costa para que barcos possam se chocar com elas. Ou pelas estradas, para que os viajantes se percam ou que caiam de precipícios.
Seu poderes atingem qualquer um também dentro de suas casas. Leites azedam, batatas estocadas apodrecem, turfas (usadas como lenha) não acendem quando colocadas no fogo... Diz-se que a causa da "An Gorta Mór" (A Grande Fome, pela metade do século XIX na Irlanda) foi causada pelo Grey Man, mas quem pode ter certeza?
Aparentemente objetos e expressões cristãs tem o poder de afastar esta fada, mas não permanentemente. Voltando com mais força e violência. Por isso marinheiros colocavam medalhas abençoadas na proa dos barcos e fazendeiros, crucifixos entre as pilhas de turfa e batatas. O que pode ainda ser encontrado em algumas áreas interioranas, principalmente nas Gaeltachta (regiões onde o irlandês e os costumes gaélicos ainda sobrevivem com força).
O Grey Man também é uma criatura do folclore escocês, sendo chamado de Am Fear Liath Mòr (O Grande Homem Cinza) que habita o cume da segunda maior montanha do Reino Unido, Ben
Macdui. Um criptozoologista, Karl Shuker, acreditava que o Grey Man era um guardião de um portal interdimensional. Ele afirma isso em seu livro "The Unexplained".
De uma forma ou de outra, o Grey Man aparenta ser uma fada muito ligada ao elemento água, o que dentro do folclore irlandês é um sinal de extremo perigo, já que esse tipo de fada é comumente associado a encantar e induzir humanos a morte. Se estiverem passando por Antrim, tomem cuidado para não se aproximar muito do Lago Dhu (Lough Dhu), já que se diz que é lá que o Grey Man habita.