quinta-feira, 25 de setembro de 2014

As Várias Árvores da Floresta I: Mayra Ní Brighid

Começa agora uma série de entrevistas, realizada pela Corrente RJ com praticantes dos diversos Paganismos Celtas. Resolvemos chamar essa série de As Várias Árvores da Floresta, relembrando que uma floresta é feita de várias árvores diferentes, ou seja, somos todos diferentes entre nós, mas fazemos parte de um mesmo organismo.

Começamos muito bem, com as bênçãos amazônicas de Mayra Ní Brighid, residente do Acre, que com muita simplicidade e perceptível sabedoria compartilha conosco um pouco da sua visão e da sua prática. Obrigada pela generosidade, Mayra! Que as Boas Gentes deixem presentes em seu caminho em nome da gente aqui do nosso Rio de Janeiro! :D

A entrevista é em duas partes: na primeira, Mayra respondeu a perguntas genéricas a respeito de suas práticas. Na segunda, fiz perguntas específicas para ela, baseada nas suas respostas da primeira parte. Foi lindo <3 espero que gostem tanto quanto eu!

Parte I (perguntas genéricas)

1. Identidade. Como você se intitula, como chama sua prática religiosa? Na sua opinião, o que distingue sua prática de outras dentro do Paganismo Celta?

Intitulo minha prática religiosa como “Druidismo”, apesar de saber que esse termo não seja o melhor para definir o que os celtas antigos praticavam, mas creio que seja o melhor termo para definir uma religião moderna que se inspira nesse antigo povo. E também por toda a história do movimento, renascimento druídico etc.

Acho que cada região brasileira apresenta características únicas, e essas características se refletem na prática do paganismo. Da mesma forma que cada pessoa tem suas características e essência, cada pessoa pratica e vivencia o paganismo de uma forma única. E isso não é ruim, pelo contrário.


2. Coletividade. Você pratica sozinho ou em grupo? Pertence a alguma tribo, ordem, coven, clã? Como se dá a entrada de novas pessoas no seu grupo? Há títulos ou hierarquia de algum tipo em seu grupo?

No momento pratico sozinha E em grupo (rs). Faço parte de um grupo, Clann an Samaúma, que nasceu em Belém/PA, minha cidade natal, e onde a maioria dos membros está. Estamos mantendo o grupo de estudos e nos reunindo por meio da internet, é um pouco difícil, mas entendo que faz parte do processo. Em breve, nos reuniremos presencialmente, se os deuses quiserem.

Por hora não estão entrando novos membros, pois estamos em fase de estruturação do grupo. Mas no futuro abriremos para novos membros, e ainda não sei ao certo como se dará esse processo, mas acho que passará por uma etapa de estudos iniciais, participação em encontros abertos, consulta a oráculos (para saber o que os deuses acham da pessoa no grupo), um período de “teste” como membro, etc.

Não há hierarquia definida no grupo, pois ainda somos poucos. Mas a ideia que vamos trabalhar será de tribo e suas várias funções, ou seja, haverá bardo, druida, guerreiro, músico, artesão, curador, devoto, “semente” e convidados.


3. Devoção. Você é pan-céltico ou exclusivo de alguma nação (irlandesa, escocesa, ibérica, galesa, etc)? Como você escolheu seu panteão? Há divindades específicas pelas quais você tenha devoção? Há algo que você possa acrescentar a respeito dessa devoção?

Tenho muita afinidade com a cultura gaélica (Irlanda e Escócia), e portanto cultuo mais os deuses desses locais. Mas estudo e reverencio também os deuses da cultura galesa, ibérica, gaulesa...

Os deuses que tenho mais afinidade e devoção são Brighid, Dagda, Lugh, Aengus, Danú/Anann, Manánnan e Cailleach.

Tenho afinidade com alguns deuses de outras culturas também, embora eu não dedique um culto a eles. Mas Shiva, por exemplo, tem um lugar especial no meu coração, e vez ou outra escuto ou canto o seu mantra. Estou ficando próxima de Pachamama também, devido à proximidade com a Bolívia e Peru (estou morando no Acre). E também a Jiboia e a Borboleta Encantadas, forças ancestrais dos povos indígenas do Acre, que nutro um carinho e respeito muito grande.
Não os cultuo em minha prática pagã celta, mas os reverencio e dedico um pouco de amor a eles em minha prática religiosa. Em meu coração vibra a espiritualidade celta, mas não posso ignorá-los quando esses outros deuses simplesmente cantam e dançam na natureza à minha volta.


4. Prática. Que elementos compõem sua prática? Há ritos? Orações? Oferendas? Roda do Ano Norte, Sul ou Mista? Datas destinadas a determinadas divindades? Há uso de altares, objetos mágicos ou simbólicos, ervas, flores, alimentos ou cristais?

Sigo pela Roda Norte, pois na região onde moro nosso inverno (época das chuvas) coincide com o inverno no norte, e o verão (época da seca ou pouca chuva) coincide com o verão de lá.
Além dos 8 festivais celebro também a lua cheia e a lua nova, e mantenho algumas práticas devocionais diárias, como orar ao acordar, ao ir dormir, ao almoçar, ao preparar uma comida, ao tomar banho, ao acender uma chama, enfim.

Ah sim, tenho altares (algumas pessoas preferem o termo “centros devocionais”, pra mim tanto faz rs, a essência é a mesma) em casa. No altar principal tenho representações dos Três Reinos e das Três Famílias, e é onde realizo os ritos.


5. Ancestrais e Espíritos da Terra. Na sua prática há algum culto a Ancestrais, sejam eles culturais, físicos ou locais? Há introdução de elementos negros ou indígenas? Há oferendas? Orações? Símbolos? Datas específicas?

Em toda a minha prática há o culto aos ancestrais. As religiões antigas, inclusive às célticas, são centradas nos ancestrais. Não há porque ser diferente hoje. Em todos os ritos eu os honro.
Não introduzo elementos negros ou indígenas brasileiros em meus rituais, por exemplo, não canto uma canção da Jiboia num rito de Samhain, mas tenho sim em meu altar símbolos da cultura indígena e brasileira, pois fazem parte de minha ancestralidade e os mantenho lá para me lembrar disso e fortalecer minha ligação e meu respeito com eles.
Precisamos conhecer mais a cultura tradicional dos povos daqui (Brasil), pois elas são tão ricas e maravilhosas quanto as célticas. Não deixo nunca de me encantar com a sabedoria dos indígenas e das comunidades tradicionais do Brasil... Há tanto para nos ensinar, há tanta beleza e sabedoria... Pena que só alguns percebam isso.


Quando sinto necessidade, celebro um rito que honre os ancestrais da terra e espíritos locais, mas no caso é um rito específico e não num “molde” ou liturgia druídica, entende? Difícil de explicar... Mas enfim, sou druidista, pagã celta, e também sou brasileira e amazônida, com muito amor e orgulho :) .


Parte II (perguntas específicas)

1. Você mencionou o uso de oráculos para verificar uma possível entrada em seu grupo. Quais meios oraculares você pratica? Todos no seu grupo o praticam?

Comecei estudando o Tarot e depois divinação pela água e fogo, mas não me aprofundei muito nesses últimos. Estudei Runas por um tempo também, mas depois parei, não bateu a afinidade. Há dois anos mais ou menos comecei a estudar o Ogham, e tenho gostado muito. Recentemente, iniciei um processo de estudo em um oráculo desenvolvido pela Caitlin Matthews, chamado “Celtic wisdow oracle”, baseado numa ideia de clãs e ancestralidade. E estou adorando! Tenho afinidade também com o oráculo baseado no voo dos pássaros, mas esse tem sido mais intuitivo e espontâneo para mim. Então, atualmente trabalho mais com esses três últimos oráculos que mencionei (ogham, “oráculo dos ancestrais” – da Caitlin – e o voo dos pássaros).

Nem todos no grupo usam oráculos, a maioria conhece um pouco sobre o Tarot e o Ogham, mas não no sentido prático e aprofundado.


2. Na sua prática você usa uma língua gaélica? Ou usa apenas o português?

Até que gostaria de usar mais o gaélico, mas não dá... Ô linguinha difícil de estudar... rsrs. No máximo falo três ou quatro expressões em gaélico durante um rito. Então, usamos mais o português mesmo. Mas entendo que isso não minimiza a força do ritual... ou a sinceridade da vivência espiritual. Os Ancestrais e os espíritos se comunicam pela linguagem do coração, e não da fala...


3. Há uma liturgia em particular que seu grupo usa? Vocês a desenvolveram ou basearam-se em alguma outra? Pode falar um pouco sobre isso?

Sim, elaborei uma liturgia baseada em algumas que conheci de grupos brasileiros e não brasileiros. Ainda estamos experimentando essa liturgia, então ela ainda não está fechada. Nem sei se um dia estará, pois acho importante a mudarmos ou adaptarmos de vez em quando ou sempre que sentirmos necessidade. A gente muda, o grupo muda, o ciclo muda, então a liturgia tem que mudar também.

Resumindo a liturgia que estamos seguindo, nossos ritos se baseiam nos seguintes passos:

Limpeza e organização do espaço; limpeza dos participantes e acolhida; concentração e meditação; conexão com os Três Mundos; chamado das Três Famílias; pedido de bençãos das sagradas direções (leste, sul, oeste, norte e centro); honra e pedido de bençãos à Erin, ao sagrado carvalho e à sagrada samaúma; chamado às divindades honradas na ocasião; passagem da tradição (varia de acordo com o rito ou festival); leitura de oráculos; agradecimentos; encerramento; confraternização (banquete, música, danças, conversas).


4. Na sua opinião, quais similaridades podem ser vistas entre as tribos celtas de outrora e as culturas tradicionais do Brasil? E algumas diferenças?

Ambas veem a Terra como sagrada, honram os ancestrais, celebram os ciclos da natureza e entendem que o universo todo está interligado.

Além disso, os indígenas brasileiros estão enfrentando o que os celtas antigos enfrentaram: a invasão de suas terras, a destruição de sua cultura e valores sagrados. Os indígenas brasileiros são guerreiros, resistentes e lutam pelas suas terras, sua comunidade, sua cultura e ideais. Assim como os celtas antigos lutaram em tempos idos...

As diferenças existem claro, vivem em mundos diferentes, caminham sobre outras terras, reverenciam outros deuses, contam outras histórias e mitos, se vestem de forma diferente, falam outras línguas...


5. Há algo que você gostaria de acrescentar?

Só agradecer por terem me convidado a participar desse projeto de entrevistas, e desejar a “Corrente RJ” sucesso, luz, alegria, honra e sabedoria em sua jornada! =)  

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Um Rito de Apresentação - Uma nova geração para dar continuidade às Tradições


Semana passada, junto ao evento do ESP®, vivemos a oportunidade e encontrar com os Antigos para a Apresentação de mais um elo da nova geração Celta Brasileira. Como mãe, mulher, celta, me senti feliz e honrada em poder mostrar o fruto de minha própria Divindade.


Isadora tem o espírito antigo, demonstra no olhar que vê através do corpo, que sente a Natureza a sua volta.

Ela nasceu de uma estória de guerra, onde a mãe teve de travar batalhas para somente fazer aquilo que lhe fosse mais saudável, e portanto mais natural. Ela veio com respeito, com dignidade e como mandava sua própria Natureza. Isadora desafiou padrões da sociedade "moderna". Desde a barriga deu lições de perseverança, paciência e força. E como não respeitar tamanho Poder?

E quando finalmente decidiu que viria, ainda travou suas próprias batalhas. Lutou bravamente e venceu cada uma delas. No auge de seus 4 meses e meio, já mostrou seu sangue fianna, sua alma guerreira.

Ela tem o gênio dos Deuses de Danú.

O rito foi especial. Feito sobre a mata em espaço sagrado. Em uma antiga ruína de igreja, que o tempo preservou com o manto da Natureza nativa, aos testemunhos de animais silvestres e árvores gloriosas, sob o sol poente.

Cercada por pessoas, pagãs e não pagãs, mas que em comunhão emanavam suas energias e canalizavam sem reservas suas bênçãos à pequena Isad'Ouro.

Que delícia poder perceber o Manto que divide este e o Outro Mundo ficando cada vez mais tênue. Percebendo o Vento beijando nossas faces, o suspiro dos Antigos em nossas cabeças.

A cada palavra dita durante o rito, lágrimas rolavam de alegria entre os presentes, o arrepio das vibrações foram sentidas por todos sem exceção.

À Isad'Ouro, foram dadas qualidades por seus padrinhos e por todos que ali estavam. Desde Persistência, Coragem e Resiliência, ali foram entregues Saúde, Amor, Honra e outras que não consegui discernir.


Minha guerreira foi consagrada a Lugh. Teve o chamado de sua Divindade interior acordado para que nunca se esquecesse de onde vinha e do que será capaz. E foi abençoada por Manánann que sempre a guiará em seus caminhos e escolhas. Por sinal, foi a Manánnan que sua mãe soube da alegria dos antigos quando ainda grávida, pois dEle recebeu um presente que encontra-se em seu quarto e é um símbolo de sua Alegria.


Ela foi chamada de Alanis. E agora é Isadora Alanis, vulgo Isa - a Bela e Isad'Ouro para os íntimos.

Minha filha recebeu as honras da Tribo, está apresentada e abençoada pelos Deuses.

E eu? Eu só consigo ficar embevecida por tamanha honra, por tamanha felicidade. E agradecida por fazer parte desta comunidade.



Entôo a canção de Amergin para ela toda noite.
Ela sempre sorri, como um reconhecimento antigo.

Os elos presentes: Ninna Pinheiro (eu), Laise Ayres, Luciana Cavalcanti e Rodrigo Morocho.

domingo, 21 de setembro de 2014

Encontro dos Deuses - ENCONTRO SOCIAL PAGÃO -ESP®2014


O ESP® 2014, realizado tradicionalmente no Templo de Apolo, na Quinta da Boa Vista, dias 13 e 14 de setembro, foi um encontro de vivências magicas. Expectativas superadas, estado de êxtase controlado, sento diante do computador tentando organizar as experiências, fatos, aprendizados, vivências...controlar as emoções pra canalizar num texto lógico.

Não pretendo fazer um resumo ou narração, pois não assisti todo evento, mas sim um registro da minha experiência pessoal e me ocorreu de falar Deles, os Maiorais, os Super-stars : Os Deuses que estavam no Esp!
A imensa serpente no lago, deve estar relacionada a filha de Gaia morta por Apolo. Não  fingirei saber nada sobre mitologia clássica, essa fala já vem do aprendizado que tive ao esforçar-me para escutar Álex Hilayos,(esforçar-me pois havia um show, um som altíssimo destoando da paz do parque) enquanto ele tentava pacientemente nos passar conhecimento. Em sua impecável arte de discursar e todo esclarecimentos acerca de Pan que ele nos trouxe, aprendi que Apolo tinha um pouco de arrogância adolescente, e matou uma Serpente importante, mas pra mim, em meus devaneios particulares de quem não leu a placa da escultura, ela era certamente o símbolo maior de toda sabedoria pagã, supostamente “expulsa” da Irlanda pela cristianização, a sobrevivente, linda e saltitante, em todo seu esplendor, exibindo seu poder.

Um dia te tatuo, sua linda! Me lembrei que é um dos símbolos esquecidos de Bríd, que roga por ter sua imagem de deusa descristianizada , e só aparece ente vaquinhas e ovelhinhas. Bríd estava lá me proporcionando aprendizado  e renovação. Obrigada Álex Hilayos.  Bençãos de Brid pra ti.


Não foi dessa vez que Brid surgiu entre as falas, mesmo tendo lá os sacerdotes do Círculo e Brigantia, de quem falarei mais tarde, dessa vez, outra importante Deusa Celta veio à luz dos esclarecimentos. Esse Esp foi o momento do encontro do Corrente R J -Paganismo Celta Unificado, grupo que se formou virtualmente, em julho desse ano, e finalmente nos reunimos pra prestigiar os Elos palestrantes. Nascemos em julho, mês de Morrighan e o primeiro Elo a falar foi  a Sacerdotisa Morrighan S.S. Brigante, que falou sobre...  a Deusa Morrighan, como os celtas a vêem- e desmistificou muitas crendices infundadas sobre Ela,  que não só obscurecem , mas distorcem a mitologia.                                                    A sacerdotisa Morrighan, incluída pelos Deuses nessa programação, na minha opinião, brilhou. Ela sorteou uma cornucópia feita por ela a quem respondesse corretamente a pergunta no final. E entre tantos celtas, não foi o grego da retórica bonita quem levou? Troça dos Deuses que estavam entre nós. Quanto à deusa Morrighan, aprendemos que Ela não tem que ser suavizada pra caber nos nossos anseios pagãos, nós é que temos que ampliar nossa visão para concebê-la em sua magnitude, agressividade, Soberania de guerra, em suas multifaces tão como elas são. Espero que todos tenham ouvido dessa maneira. Morrighan Brigante, bênçãos da grande Rainha pra ti!

E espero que tenham entendido que essa palestra foi o momento de tocar num assunto delicado, o preconceito com a prática da incorporação, que obviamente vem do preconceito arraigado às religiões de matriz africana e toda cultura negra. Não estava na pauta, mas surgiu no momento em que à boca minúscula e misógina corria o boato- ah palavra infame-  sobre essa prática na T.A.E., não como curiosidade, mas como acusação de desvirtuose. Morrighan S.S. Brigante esclareceu que não o fazemos, mas que se for o designo de algum Deus, a prática será muito bem vinda. Citou exemplo de Erynn Rowan Laurie tida como uma das idealizadoras do movimento reconstrucionista celta, que pesquisou as práticas afro-brasileiras pra adaptá-las e incluí-las em suas práticas religiosas e também de outros grupos no Brasil que o fazem, dando um tapa na cara do preconceito. Acho que não foi a sacerdotisa quem falou, Morrighan devia estar ali aporrinhada com quem ainda se permite preconceitos e criticas à Soberania de uma casa. Temos muito a aprender com as comunidades de terreiro. Fico feliz de fazer parte de uma casa que não admite preconceito.

E espero que tenham entendido que quando ela me chamou de Exu. Era elogio! Que nem sei se mereço. Exu é orixá relacionado aos caminhos, um comunicador, o mensageiro, o primeiro a ser cultuado sempre. Eu gosto de pensar que ajudei  a T.A.E a encontrar O Clã e me envaideço qual Oxum nos meus devaneios. Mas não foi isso que Morrighan Brigante quis dizer, ela se referiu ao estudarmos e aprendermos coisas que nem sempre cabem em nossa miudeza e nos incomodam, mas que são como os Deuses são e temos que nos esforçar pra compreender. E por vezes eu porto as “novas novidades”, qual Exu porta a inovação, mesmo que através do tumulto. Eu comparo Exu, em meus devaneios, a Manannan, sem eles, nada acontece, e se Eles bem quiserem, dá tudo errado, sai tudo trocado. E foi um rapaz, chamado Agathos  Athenodoros, que em sua fala sobre Magia do Caos  citou Exu novamente, ao explicar as artimanhas de seus ensinamentos, contando a lenda em que Ele usa  artifício de um chapéu multicor para provoca uma discussão entre vizinhos, e nessa discussão, a princípio por motivo irrelevante, faz toda verdade sobre o que pensavam um do outro vir a tona. Mas Exu, que estava no Esp, fez Jacob esquecer a cor do chapéu, o que fez com que outro Elo da Corrente, Laise Ayres o ajudasse,e mostrando que também porta esse saber, e assim nessa pausa vimos que Ivanir dos Santos tinha chegado ao evento, bem na hora em que se falou, mais uma vez, sem programação prévia, sobre Exu .....

Caro Agathos, Laise e eu tivemos muitos insights em sua palestra, principalmente em sua fala sobre Deuses que riem, que brincam e trapaceiam. Bençãos de Manannan pra ti!

Ivanir dos Santos, dentre tantos títulos, organizador da Caminhada Contra a Intolerância Religiosa, Babalawô de trocentézimo grau iniciado na Nigéria, nos deu uma lição sobre bruxaria. Disse; nos termos iorubanos corretos -que perdoem-me ser  incapaz de reproduzir aqui- ser um dos poucos homens de sua tradição a ser permitido abrir culto às bruxas (o termo iorubano que equivale, segundo ele, à bruxa).E há quem ache nossos caminhos tão diferentes, olha com que honrarias ele fala de bruxaria!  Pena ver gente jovem de costas, mostrando seu desprezo a figura negra com branco na cabeça. Aprendi desde o primeiro encontro, que qualquer 5 minutos ouvindo gente preta de pano branco na cabeça, é lucro. Se for Ivanir, lucro de juros altos. Ele nos contou de um episódio, em que perguntou a um sacerdote neopentecostal, o que Jesus estava fazendo dos 13 aos 30, e como resposta ouviu algo tipo “claro que sabemos, ele estava aprendendo a andar sobre as águas, fazer da água vinho...”, ao que ele respondeu  “...aah, sim, então o Senhor está me dizendo que ele estava aprendendo a fazer feitiços?”.  Deixou o sacerdote de saias justas, com a traquinagem de Exu, e nos arrancou risos. O conhecimento desconhece as fronteiras que inventamos.  ”O que pra uns é milagre, pra outros é feitiço”. E foi o babalaô quem prestou mais honrarias à bruxaria. Coisa desses deuses trapaceiros, que riem.

Babalawô Ivanir dos Santos, benção de Aengus pra ti!
Ivanir também nos lembrou da importantíssima Caminhada contra Intolerância Religiosa, que acontece todos os anos, na minha linda terra de Copacabana, RJ, e que em ano de eleições estranhas, quando tantos candidatos vomitam abertamente sua intolerância, se torna particularmente importante a participação de todas as vertentes do paganismo.

E a África esteve presente não só com Ivanir, mas na palestra do Caio Pasemwesir sobre Reconstrucionismo Egípcio, esclarecedor como o Rá iluminando a Terra, obrigada pelo esforço em tentar falar naquela sonzeira braba, valeu a pena viu? Eu saí dali com muito mais saber que entrei, e certamente não fui a única. 
Fiquei extremamente feliz em saber que,  tal qual o celta, o reconstrucionismo egípcio, ou Ortodoxia Kemética é pautado na história, na arqueologia, E é fluido, dinâmico, vívido, com seus mistérios, magias, experiências místicas.
Não tem nada desse papo de ser engessado pelo estudo que eu tenho ouvido falar do Reconstrucionismo por aí. Pra mim foi divino te ouvir, porque lavou minha alma de críticas feitas ao meu caminho, que segue a mesma linha de pensamento, isso tudo incrivelmente  ao falar do seu caminho. Bênçãos de Lugh sobre Ti!

Quem ouviu Laise Ayres pode perceber essa fluidez a que me referi acima, dessa vez dentro da tradição celta. Ela não se intitula reconstrucionista, mas dizem as boas línguas (que eu inventei deliberadamente agora) que Laise atende todos os requisitos, e inclusive foi uma das traduziu o nosso querido  amado documento, que deu corpo ao movimento, o Celtic Reconstructionism Faq.  Laise, reconstrucionista ou não, definitivamente uma pagã celta de orientação irlandesa, trouxe objetos do seu altar e com eles explicou a simbologia do An Tríbhís Mor, o Grande Triskel, ou seja  a Cosmologia Celta baseada no concito dos Três Reinos ou Três Mundos: Terra, Céu e Mar e particularidades do culto aos Tuatha Dé Dannan. Ah essas lágrimas bobas nos meus olhos, de corroborar com cada palavra, de ter certeza d te conhecer a vida inteira, e admirar orgulhosa a simplicidade de tua oratória. Bençãos do Povo Bom pra ti!

No domingo, assim que cheguei, presenciei um diálogo em que os participantes se lembraram de meu primeiro extinto grupo, o Macalla, e de que dele saiu o An Ghaeilge Sa Bhrasaíl, o primeiro grupo a promover estudos da língua irlandesa ao menos no estado. Tínhamos todo apoio pedagógico do Consulado da Irlanda, não viveu muito tempo, mas foi bom ouvir, assim, pelo ar, que da continuidade do Gailge As Braesil saíram os primeiros integrantes do Clã. Me senti tão honrada de fazer parte, indireta e sem querer dessa história. Devo ser mesmo abobada. Foi muito bom conhece-los, mesmo que rapidamente. Espada de Nuada seja por todos vocês!

 O sacerdote de Wicca Claudio Ramos, do Círculo de Brigantia, quem estava lá, mas ele não falou de Bríd ou nenhum deus celta, mas de  Hécate  e me ajudou a vê-la de uma forma bem diferente da mulher sinistra com cães na escuridão que eu tinha na minha mente.Claudio voltou a falar de Exu, de modo muito tranquilo, ao falar do significado da encruzilhada, em nossa terra, estreitamente relacionado à essa divindade. E também a Hécate; e deve ter sido Ela, essa Senhora  Vermelha das Tochas, que clareou os caminhos pra eu reencontrar esse velho amigo, que conheci sem um cabelo branco rsrs... e resolver num abraço o que muita conversa e toda eloquência não seria capaz. Mais um momento mágico do Esp. Bençãos de Ogma pra ti!

Rodrigo Ignácio, Elo da Corrente, tornou vivo o Dindsenchas, nos contando da história dos lugares sagrados da Irlanda, com direito a contação de lendas e fotos o-ri-gi-nais! Uma delas, muito especial, da pedra de Cuchulain, com um corvo pousado ao lado de uma vaca vermelha, foi sorteada a quem respondesse a pergunta final...que peninha que do grupo não valia! Em sua fala novamente os deuses trapaceiros surgiram, na foto de uma das camas de Diarmuit e Grainné, protegida de Aengus. Sua palestra foi uma excursão pela minha ‘terra santa’. Viajei qual música de harpa encantada. Bençãos de Dagda pra ti!
                                    
E assim tive que me despedir do evento antecipadamente, essa não é uma visão geral, tenho certeza de  que outros olhares revelarão outros insights e que os palestrantes não citados devem ter feito um excelente trabalho que prestigiarei na primeira oportunidade. Essa foi uma narração unilateral do quão proveitosa minha participação pessoal e um resumo da participação do Corrente RJ- Paganismo Celta Unificado no Projeto do Gaia Paganus. Valeu muito mais do que eu esperava e agradeço imensamente à Hellennah Friggdóttir Leão pelo espaço aos Elos e ao excelente trabalho a frente do Esp.

Mais 3 coisinhas:

1 O site do Projeto Gaia Paganus pra quem não o conhece é: http://www.projetogaiapaganus.com.br/ lá você fica sabendo sobre os ESPs®  regionais acontecendo mensalmente em cada estado.

2 Ao falar da palestra do Rodrigo Ignácio, fiz referência ao Dindsenchas, que em irlandês moderno significa topografia.Pra quem não sabe, ele é o Livro da História dos Lugares, que conta a origem mítica, eventos, e personagens mitológicos ligados a  lugares naturais da Irlanda, em forma de poesia. Disponível online em língua inglesa.

3 Você pode ler o CR Faq – An Introduction to Celtic Reconstrucionist Paganism (CR Faq – Uma Introdução ao Reconstrucionismo Pagão Céltico- Índice Completo de Perguntas), que acabou se tornando o documento parâmetro do RC,  na tradução autorizada para o português-brasileiro, graças aos elos Laise Ayres, Luciana Cavalcanti, quem o traduziram em parceria com Ana Beatriz (RJ) Daniel(RJ) Wallace William(SP) e do Endovelicon (SP) há pouco mais de uma década. O link para nosso trabalho está publicado em sessões no link: http://thecrfaq-br.livejournal.com/

Luciana Cavalcanti

terça-feira, 16 de setembro de 2014

ESP®BR: Palestra "Comunicação com os Três Mundos - um olhar Reconstrucionista Irlandês" por Laise Ayres

Esta palestra, realizada dia 13/09/2014 no Templo de Apolo (Quinta da Boa Vista, São Cristóvão, Rio de Janeiro/RJ), foi criada especialmente para o Encontro Social Pagão®, organizado pelo Projeto Gaia Paganus®. O objetivo era apresentar aos participantes do Encontro um olhar Reconstrucionista Irlandês sobre como se dá a comunicação com os Três Mundos ou Três Reinos Celtas - Céu, Terra e Mar -, e com os Deuses, Ancestrais e Boas Gentes que os compartilham conosco.

1. Sobre a autora

 Laise Ayres, elo da Corrente RJ, 15 anos de paganismo. Não gosta do termo 'druida', ou 'druidismo' para definir suas práticas, afinando-se mais com o título Reconstrucionista Irlandesa, ou simplesmente Pagã Irlandesa. Usa como base para suas práticas os mitos, registros literários, costumes folclóricos, e características arqueológicas e geográficas da Ilha Esmeralda, mas tem como espinha dorsal de sua vivência religiosa gnoses pessoais, meditações e insights. É há 6 anos integrante de um clã privado, sem nome, na cidade do Rio de Janeiro.


 2. O que é Reconstrucionismo Celta

 É um movimento politeísta, animista, religioso e cultural cujo objetivo é reconstruir - reconstituir - aspectos religiosos e culturais das tradições célticas pré-cristãs através de elementos sobreviventes nos registros históricos, literários, nas evidências arqueológicas e nas práticas folclóricas nos países que descendem daqueles povos, além de, é claro, da língua. Nesse contexto, a língua acaba sendo uma das fontes preciosas de insight a respeito da cultura e, consequentemente, do modo de ser, sentir e crer do povo celta. Na Irlanda, os elementos célticos sobrevivem principalmente através da língua, o Irlandês, do registro dos monges cristãos em diversos manuscritos, e através das práticas folclóricas tradicionais.

A ideia do Reconstrucionismo é de certo modo reconstruir como os diferentes paganismos celtas se pareceriam hoje em dia se não tivessem sido interrompidos pelo cristianismo - a exemplo do Hinduismo, que evoluiu e mudou, mas manteve sua essência. É um caminho de muita pesquisa e estudo, e muito debate entre praticantes, embora muitos pontos atualmente já tenham sido definidos coletivamente, e mais ou menos estabelecidos.

3. Os Três Mundos ou Três Reinos

O conceito de Três Mundos (ou Três Reinos) é muito marcante na cosmologia irlandesa. Esses Três Mundos são um esquema dentro do qual está tudo o que existe - Céu, Terra e Mar. O maior símbolo dos Três Mundos é o An Thríbhís Mhór, o Grande Triskel, as três espirais unidas por um ponto central.

Os Três Mundos aparecem em vários pontos na cultura irlandesa - a Invocação de Blathmac mac Cú Brettan diz “Neamh nglas, muir más, talamh cé.” - “Céu azul, belo Mar, Terra presente.” Também há um juramento irlandês que diz: “Que o céu caia e me esmague, que o mar se erga e me afogue, que a terra se abra e me engula se eu quebrar esse juramento.”

Ver o mundo como uma junção de Céu, Terra e Mar faz muito sentido se consideramos que a Irlanda é uma ilha. Então o céu sobre suas cabeças, a terra sob seus pés e o mar circundante como ligação com o resto do mundo (e com todos os outros) podem de fato ser veículo para o próprio modo como o irlandês vivenciava sua realidade.

Há muitas relações simbólicas vistas entre o Céu, a Terra e o Mar. Em nossos corpos, o Céu é o fôlego, a Terra os ossos, e o Mar, o sangue. Na árvore, os galhos tocam o Céu, as raízes ligam-na ao Mar sob a Terra, que depois preenche a árvore através dos veios como seiva, e o Tronco que surge sobre a Terra cria toda a conexão entre o que está em cima e embaixo. No tempo, o Mar é o passado, aquilo o que sempre foi, o Céu é o futuro, pressagiando o que está por vir e trazendo a mudança, e a Terra é o presente a ser desfrutado.

O equilíbrio, a harmonia, brotam da união desses Três Reinos, representado, no Triskel, pelo triângulo ou círculo no ponto em que unem-se as espirais.

É comum, na prática Reconstrucionista, manter-se um altar para cada Reino, ou áreas para os Três Reinos no altar (meu caso).

Eu tenho no altar três árvores que uso para representar os Três Reinos. Uma verdinha representando a Terra, uma dourada representando o Céu e uma roxa e preta representando o Mar.

4. O Mar, a Terra e o Céu

O Além-Mar é o Outro Mundo para a Irlanda (e para a cultura celta em geral). É cruzando o Mar que heróis irlandeses encontram Tir na nOg, a Terra da Juventude, o país das fadas, dos Antigos, dos Ancestrais. Há uma série de contos na literatura irlandesa chamada Immrama, viagens mágicas, em que o herói parte com seu barco em uma viagem de autodescobrimento, que não raro envolve criaturas fantásticas e encontros com Deuses.

Oisín, filho do herói Fionn Mac Cumhaill e célebre guerreiro e poeta dos Fianna, certa vez foi convidado pela filha do deus do mar Manannán, Níamh Chinn Óir, para ir com ela a Tir na nÓg, a Terra da Juventude. Após ficar lá com Níamh por três anos, Oisín resolveu retornar à Irlanda. O problema é que o tempo em Tir na nÓg passa diferente, e na verdade passaram-se 300 anos na Irlanda. Então Níamh avisou Oisín que, se ele tocasse com os pés o solo da Irlanda, ele sentiria os efeitos dos 300 anos e ficaria murcho e velho. Ele retornou à Irlanda mesmo assim, cavalgando Énbarr, o cavalo branco de Níamh que corre igualmente bem sobre a terra e sobre o mar.

Ao chegar à Irlanda, Oisín descobriu que muitas coisas mudaram nesses 300 anos. O antigo lar de seu pai encontrava-se em ruínas, e todos os que ele um dia conheceu estavam mortos há muito. Mas os próprios homens daquela terra estavam diferentes, menores, mais fracos e menos sábios, parecia, e ele compadeceu-se ao ver a dificuldade com que eles moviam pedras para criar uma estrada, o que o motivou a ajudá-los. Ao mover a pedra, que era pesada, a correia da sela de Énbarr não aguentou a pressão e partiu-se, fazendo com que Oisín desequilibrasse-se e caísse no chão, transformando-se em um velho imediatamente conforme previsto por Níamh. O cavalo retornou a Tír na nÓg, e Oisín, agora um ancião cuja vida aproximava-se do fim, permaneceu na Irlanda, e em algumas versões desse conto ele encontrou ninguém menos que São Patrício e com ele teve uma longa conversa antes de morrer.

O Mar nos transforma, nos revela, nos põe à prova. Nos faz entender quem somos e o que nos compõe.

É no local destinado ao Mar que normalmente coloco os objetos relacionados aos Ancestrais no meu altar: terra das casas onde morei, pequenos objetos simbólicos da minha ascendência e da minha história - o De Onde Eu Vim.

Existem três tipos de Ancestrais honrados no Reconstrucionismo - os culturais, os "carnais" e os locais. Por exemplo, meus antepassados incluem os Fianna - culturais, por adoção - meus avós, bisavós, etc - “carnais”, biológicos - e os brancos, negros e indígenas que viveram nesta terra antes de mim. Mantenho símbolos que os representem, fotografias e objetos pessoais de familiares já mortos, uma figa representando meu lado negro e umbandista, um muiraquitã representando a cultura indígena que habitou este solo antes de mim, Eu os honro, homenageio e realizo oferendas, além de rezar para eles.

Quando falamos em Céu, Terra e Mar assim arrumadinho, parece que há uma distinção toda organizadinha entre eles, mas a verdade é que eles se misturam bastante, pois há Mar dentro da Terra (lençóis d'água, fontes, poços), Terra sob o Mar (cavernas submarinas, fundo do mar), Terra tocando o Céu (montanhas), Céu tocando o Mar (linha do horizonte). Do mesmo modo, os Ancestrais, os Deuses e as Boas Gentes (também chamados de Sídhe, Povo das Fadas, Bom Povo ou Espíritos da Terra) misturam-se bastante.

Por exemplo, conta-se que os Deuses, as Tuatha Dé Danann, com a chegada dos Milesians, correu para as colinas, reduzindo e transformando-se nas Fadas, em Sídhe. Essas colinas mencionadas, são na verdade os cairns, tumbas neolíticas espalhadas por toda a ilha, construções feitas de pedra que se parecem bastante com colinas quando vistas de fora, mas que possuem entradas e câmaras internas. Esses cairns, construídos por um povo que viveu na Irlanda antes dos celtas, aparecem muito na mitologia, pois pontos geográficos são mencionados em todos os contos que falam dos Deuses: rios, planícies, montanhas, pedras - e cairns.

O cairn mais famoso é Newgrange, cujo nome irlandês é Brugh na Boinne, o Palácio do rio Boyne. Esse cairn figura no mito como lar da deusa Boann (que deu nome ao rio) e seu marido Elcmar - e, mais tarde, do filho de Boann com Dagda, o deus Aengus. Aengus, usando de um ardil linguístico (em que pede a Elcmar para que o Brugh pertença a ele dia e noite - ao que ele concede, entendendo, num equívoco compreensível dada a estrutura da língua irlandesa, que não possui artigo indefinido, que Aengus o queria por um dia e uma noite, quando na verdade Aengus queria dizer para sempre) toma para si o Palácio, tornando-se o novo senhor do Brugh. Mas há outros cairns famosos, considerados como "a última morada" dos Deuses, como o cairn de Morrighan em Keshcorran, e o de Medb em Knockarea.

Contudo, esses cairns, bem como dos dolmens (as portal tombs), são túmulos. Lá dentro eram depositadas as cinzas dos mortos após serem cremados, e lá os Ancestrais eram reverenciados. Em tempos mais recentes, bebês que morriam antes de serem batizados, que por esse motivo não podiam ser enterrados no cemitério cristão, eram depositados por seus pais nessas estruturas, por entendê-las como solo sagrado. Deuses, Sídhe e Ancestrais. Tudo em uma mesma estrutura. Representação física dos Três Mundos.

Para se relacionar com as Boas Gentes (que sempre chamamos assim porque, caso estejam nos ouvindo, é considerado bom augúrio que os consideremos bons), é comum que oferendas sejam feitas nessas construções (cairns, dolmens), de leite, manteiga, pão, mel ou cerveja, que são considerados itens difíceis para as Boas Gentes obterem normalmente na natureza.

Se o Mar e, principalmente, a Terra, são constantes, o Céu pode representar o inalcançável. Toda mudança parece vir do Céu - o sol, o vento, a chuva, a neve, a mudança do clima, o claro e o escuro, as aves migratórias, os augúrios. O Céu é inalcançável e incontrolável, pelo contrário, ele é que nos rege. As forças celestiais eram reverenciadas pelos celtas e pelo povo que veio antes na Irlanda, basta ver como muitos cairns são posicionados de forma que o sol adentra a câmara interna apenas numa data e numa hora específica - sendo o mais famoso nesse fenômeno Newgrange, cuja câmara interna permanece às escuras por todo o ano exceto no dia do solstício de inverno, quando o sol entra e ilumina o altar central sob o grande Triskel gravado na pedra.

Em um dos mais importantes (se não O mais importante) manuscrito irlandês, A Segunda Batalha de Moytura (Cath Magh Tuired), conta-se a seguinte passagem:

1. Os Tuatha De Danann estavam nas ilhas no norte do mundo, estudando conhecimentos ocultos e feitiçaria, artes druídicas e bruxaria e ofícios mágicos, até que eles sobrepujaram os sábios nas artes pagãs.
2. Eles estudaram o oculto e conhecimentos secretos e artes diabólicas em quatro cidades: Falia, Gorias, Murias e Findias.
3. De Falias foi trazida a pedra de Fal, que foi depositada em Tara. Ela costumava berrar sob cada rei destinado a conquistar a Irlanda.
4. De Gorias foi trazida a lança que Lug tinha. Nenhuma batalha jamais perdurou diante dela, ou do homem que a segurava em sua mão.
5. De Findias foi trazida a espada de Nuadu. Ninguém jamais escapou de seu golpe, tendo sido ela tirada de sua bainha mortífera, e ninguém pôde resistir a ela.

6. De Murias foi trazido o caldeirão do Dagda. Nenhuma companhia que foi até ele jamais o deixou insatisfeita.

Eu tenho como gnose pessoal pensar que os Deuses, antes de vir à Terra pelo Mar em suas célebres embarcações, quando estudavam conhecimentos ocultos e feitiçaria nas "ilhas no norte do mundo", estavam no domínio do Céu, no inalcançável, no místico. Então, no meu altar, no canto relacionado ao Céu, eu coloco representações dos Quatro Tesouros, pensando nas suas cidades de origem (Falias, Gorias, Murias e Findias) como os quatro pontos cardeais que mapeiam a Terra quando vista do Céu.

Quando as Tuatha Dé Danann vieram à Irlanda, foi como parte de uma série de invasões sofridas pela ilha, que incluem vários outros povos, como os Fir Bolg, os Milesians, a Companhia de Cessair, entre outros. Há um povo, no entanto, que sempre esteve lá, os Fomorians. Os Fomorians são descritos como gigantes, desfigurados, com poderes mágicos, violentos, rudes e belicosos. Descreve-se que eles vivem sob o Mar. Ao passo que os Deuses, das Tuatha, possuem atribuições eminentemente humanas (Goibhniu é Ferreiro, Dian Cecht é Médico, Oghma é associado à Eloquência, e Lugh tem todas as habilidades existentes no mundo e mais algumas). Quando as Tuatha vencem a batalha contra os Fomorians, o dom concedido pelos perdedores é ensinar aos vencedores o uso da Terra, a agricultura. Diante disso, pode-se pensar que esse processo de luta, dominação e compreensão do homem pela Terra é imensamente simbólica. A figura de Lugh Senhor de Todas as Habilidades, filho de pai Tuatha e mãe Fomorian, que é também quem vence a guerra ao matar seu avô Fomorian, pode ser vista como unificadora, pois no conto é a pessoa dele que faz Bres, o Fomorian, revelar os segredos da agricultura.

Lugh, embora não seja um Deus Sol, é ainda um Deus eminentemente Solar - no conto O Cortejo de Étain (Tochmarc Étaine), o povo pensa que o Sol está nascendo do Oeste, mas na verdade é Lugh que chega daquela direção e seu rosto brilha tanto quanto o Sol. Sua ligação com o Céu, para mim, é inegável. Ele é como o Céu que desce e domina Terra e Mar (lembrando que Manánnan, Deus do Mar, é pai adotivo de Lugh).

No Reconstrucionismo - bem como em todas as vertentes pagãs - não somos nós que escolhemos os Deuses, eles é que nos escolhem. Para o meu altar fiz, por gnose pessoal, intuição súbita e execução um tanto obsessiva, uma série de símbolos para os Deuses que me escolheram, usando itens que tivessem relação estreita com esses Deuses, fosse na forma, fosse no uso, fosse no material. Há, por exemplo, um rechaud em forma de panela de barro sobre uma lareira, para Bríd - e optei pelo uso do barro por haver nele a Terra umidificada pela água (Mar), que é moldada por mãos humanas (Arte, Inspiração, setores de Bríd) e depois é modificada pelo fogo (Céu). A panela representa o poço, pois ponho água e essência ali dentro, enquanto a lareira é um símbolo comum de Bríd em sua face protetora do lar e mantenedora da chama. Tenho também um candelabro dourado para Lugh, com ramos de trigo, uma lança e uma funda decorando - e lá acendo velas para esse Deus. Tenho um caldeirão cheio de grãos, e uma folha de carvalho em homenagem ao Dagda, uma pequena caixa de prata com um crânio de corvo, algumas pedras e algumas penas negras para Morrighan, uma ânfora de louça decorada com ervas curativas tendo dentro água da fonte dedicada a Airmid, uma pequena garrafinha feita de concha e cheia de água do mar entre outros objetos para Manánnan... entre outros. Uso esses símbolos para me sentir mais próxima dos Deuses de minha devoção.

Para nos sentirmos próximos dos nossos Deuses nós fazemos orações, canções, rituais, oferendas. As oferendas podem ser materiais (por exemplo mingau de aveia com cerveja preta para o Dagda) ou imateriais (horas de treinamento de violino dedicadas a Bríd, ou oferecer água a animais de rua em nome de Flidais). Há também pactos que podem ser firmados. Por exemplo, dediquei a Macha um geis (uma espécie de tabu, em que abstém-se de algo para conseguir alguma outra coisa, como Cu Chulainn possui o geis de não poder comer carne de cão, ou Cruinniuc recebeu de sua mulher Macha o geis de não contar a ninguém quem ela é ou do que ela é capaz. Por sinal, é claro que, nos dois casos, os geasa foram quebrados, trazendo grave prejuízo). Eu pedi a Macha para engravidar, e firmei com ela o geis de que eu não brigaria, com ninguém, em situação nenhuma, até conseguir meu intento. Ela, como padroeira da gravidez e do parto, concedeu meu desejo. Foi mais de um ano sem brigar, e foi bem difícil. Mas acho que me fez muito bem (o geis tem como uma de suas características trazer algum crescimento pessoal para quem compromete-se com ele).

Os Deuses, também, são vistos como Ancestrais. O Livro das Invasões (Lebor Gabala), conta da chegada dos Deuses à Irlanda como quem conta as histórias dos feitos de um antepassado distante. Na Irlanda, nós somos descendentes dos Deuses - como Cu Chulainn é filho de Lugh, como Diarmuit é afilhado de Aengus.

A unidade básica dos celtas é o clã, a família. Um coletivo de clãs é uma tribo. E é essa a relação que temos com nossos Deuses, com nossos Ancestrais, e também com as Boas Gentes. Nós chamamos pelos nossos Deuses da mesma forma que telefonamos pra nossas mães com um problema, e fazemos coisas por eles como quem dá um presente para um filho. É uma relação estreita, de colaboração, apoio, amor, convivência, conhecimento. Nós não invocamos nossos Deuses. Nós não os chantageamos. É uma relação familiar. Pois eles são, também, aqueles que vieram antes de nós, nossos Ancestrais. E eles são aqueles que dividem essa Terra conosco, como as Boas Gentes.
Amigos, estamos passando por momentos difíceis na nossa política que afetarão a todos nós. Assim, o Corrente RJ lança a proposta de uma trioíche (3 noites de vigília) das morrigna contra o fundamentalismo religioso. Do dia 18 ao dia 20 deste mês, sempre às 21:00, acenda uma vela e peça ajuda às morrigna para que as bases fundamentalistas se enfraqueçam e possamos ter uma sociedade mais igualitária. Ajudem a espalhar a ideia. Este é o momento em que nós pagãos mais devemos nos unir.