quinta-feira, 11 de junho de 2015

A Morrighan – uma percepção pessoal

A princípio, eu iria escrever o resumo de minha palestra do ESP®BR de 2014. Mas o número de pedidos para escrever um artigo mais completo foi muito grande. Então, atendendo a pedidos, lá vai. (Ignorem os erros de português rsrs)

A Morrighan – uma percepção pessoal – primeira parte.


No ano de 1987, após um breve “namoro” de 5 anos, resolvi “noivar”. Não se tratava de um relacionamento com outro ser humano, e sim com a
Deusa Morrighan. Achei a comparação pertinente porque é nesta fase do relacionamento humano que passamos a conhecer mais profundamente alguém, para aí sim, podermos assumir um compromisso maior. Até então, nos 5 anos de “namoro” houve um conhecimento superficial, mas a coisa não podia ficar assim. Meu coração me chamava a cada dia a um compromisso bem maior. Foi então, que comecei a minha guerra pessoal, sim uma guerra, pois a falta de material e de gente com conhecimento DELA fez da minha busca uma luta contra uma série de barreiras para adquirir conhecimento. Foi nesta luta Quixotesca, contra moinhos de vento é que me veio uma luz. Eu deveria buscar contra meus princípios pré-estabelecidos de criação e de sociedade. Compreender dentro do “clima” do povo que a cultuava, qual seu papel para eles, e assim chegar ao fundo da questão de seu culto. Comecei a pensar em rituais de conexão com aquele povo, comecei a meditar e dentro de horas, dias, meses e anos da minha vida, tive essa busca por entendimento alcançado com muita alegria, apesar de ter passado por muito sofrimento, de ver minhas ideias desfeitas, minhas emoções bagunçadas, meus conceitos destruídos e derrubados, até nada restar de minha “atitude pessoal”, de não ser mais minhas ideias, e sim, do que era o culto a ela, não ser mais meus pensamentos e sim o que eu deveria entender.  Não questionar, apenas entender.
                Tive que ver que a cultura da morte em nossa sociedade moderna é vista como algo ruim, antinatural, triste, sombria e velada. Sim velada, porque as crianças em sua maioria absoluta na sociedade moderna não veem os mortos, não vão a enterros, não visitam doentes em estados terminais, e crescem sem ter a morte como algo que sempre alcançará os vivos. As explicações dadas às crianças quando alguém da família ou alguém muito próximo morre, dificulta ainda mais esse entendimento. Frases do tipo “virou estrela” ou “foi pro céu” ou ainda “foi morar com o papai do céu” faz com que essa criança não veja que o corpo, aquele corpo que até então falava, sentia, amava, parou. E se dá a ela uma falsa espiritualização que ela não entende de uma alma que ela nunca viu, e que foi para um lugar para qual ela também não tem a real certeza de existir. Criamos seres humanos que não compreendem a morte, que não a veem e por esta razão quando se fica face a face com essa companheira inseparável de todos os vivos, nos desesperamos e nos ressentimos com ela quando adultos.



               Comecei a pensar o porquê de não ter nenhum achado de templo ou de culto para essa Deusa, e nestes meus pensamentos e meditações e ritos de esclarecimentos, custou-me a ver a resposta que era tão simples, e que estava em baixo de meu nariz o tempo todo para aquele povo.  Pra quê? Sim, a resposta era pra que as pessoas cultuariam a morte em templos, se essa era a única coisa que com certeza não vai te faltar ou te abandonar.  Vamos, pensem comigo. Eles viveram em uma época onde a comida é difícil conseguir, não existem antibióticos, nem supermercados, farmácias, luz, e outros luxos que temos hoje em dia. E que ao descascar uma simples batata e dar um pequeno corte na mão, eles poderiam morrer de tétano ou uma infecção poderia mata-los de uma hora para outra. Pra que vou cultuar a morte em um lugar específico? Ela deveria “andar e passear” entre aquele povo. Quantos morriam em um ano? As crianças deveriam “ver a morte” a todo tempo. E como não encará-la com naturalidade? Poxa, naturalidade, não alegria. Alguém deve estar se perguntando então: Por que não temos altares ou outra forma de culto doméstico? A resposta é simples também. Não é porque eu convivo com ela, a vejo, sinto sua presença constante, que eu vou querer ela por perto, sendo “trazida” para dentro de minha casa né gente. Alguém em seu juízo perfeito pensa: Já que eu vou morrer, vou ficar pedindo  a morte pra ficar pertinho de mim – É claro que não. Todos a conheciam, mas ninguém verdadeiramente queria sua visita. É natural e normal querer viver e amar a vida. A não ser que sua vida e a vida de seu povo estejam ameaçadas. No caso de uma guerra que foi declarada, por exemplo, aí pedimos pela morte do inimigo. Viram como lutamos para viver? Quando a guerra chegava, e ela chegava com frequência naquelas paragens, era a hora de chamar a morte. De cultuar a morte. De ofertar para a morte. E de pedir a morte. Mas aí está a questão. Você não está chamando SUA morte. É a morte do inimigo do seu povo, e aí está a grandeza dessa Deusa. Ela dá a vitória (vida por mais tempo) e sua soberania para quem ela quer. Essa é sua grande e REAL função. Deixar “viver” mais um pouco.
                Nessas guerras, se pedia que elas estivessem nas mãos dos nossos guerreiros, na ponta de suas lanças e espadas, na flecha certeira atirada, no golpe fatal. E se pedia também que se ela nos viesse “beijar” que fosse um beijo rápido. O beijo dos maridos ao se despedir de suas esposas ao sair para o trabalho. O beijo dos que já se conhecem por longas datas, o beijo da amizade onde o tempo venceu o tesão,  e o amor mais em paz foi plantado e deixou nascer o maior dos sentimentos, a cumplicidade do coração de velhos amigos. E que ao acordar deste beijo ligeiro, que é a despedida da vida, que é nosso maior amor terreno, pudessem eles abrir os olhos, já não os olhos carnais, e estivessem em um lugar muito bom para onde só os justos, valentes e honrados vão. Mas antes de amar a morte, deixo mais uma vez claro que aquele povo amava a vida. Amava respirar, comer, beber, ver seus filhos crescerem, fazer sexo, tudo que a vida nos proporciona, e queriam acima de tudo, continuar bem vivos. Por isso eu digo, minha senhora não é a Deusa dos campos em flor, não é a Deusa do leite e da brisa fresca de uma manhã de primavera, ela é a destruição do inimigo, ela é o alívio da doença, ela é o bebê que parou de respirar. Ela é o fim dos sonhos, o  fim do amor, o fim da alegria, o fim da vida que sempre chega para ambos os lados.
                Eu pergunto: Você acha que nas batalhas ela era chamada para espalhar flores no campo? – Claro que não.  Dar leite morno e fresco para os guerreiros inimigos? – Não. Era sangue, vísceras, braços mutilados, decapitações, derrota. Era esse o clamor de quem a chamava naquele momento. Era esse o desejo mais profundo para os seus inimigos. E quem estiver aí com uma ideia diferente em mente, ou é porque não entendeu o significado de seu culto ou quer por “panos quentes” para aliviar ou suavizar algo que não tem suavização.
                É triste ver pagãos querendo justificar ou aliviar seus cultos para serem aceitos em uma sociedade moderna e como a nossa brasileira, cristianizada. Plantar beleza e docilidade onde não existe para nos assemelharmos aos ideais cristãos de paz, amor e fraternidade, pois se não vamos fritar no inferno, para mim é vergonhoso.
                Ouvi desde minha infância que menino mal e menina desobediente, e quem deseja mal ao seu próximo Deus castiga, e vai parar no inferno. Não é isso que a gente ouve? Pois é... Mas,  voltando aquele povo, eles queriam de verdade que o inimigo morresse, fosse esmagado e aniquilado para não mais se levantar. Porque essa era a garantia de suas vidas, da vida de seus filhos e de seus descendentes. Daí,  “clareou” meus pensamentos de que, naquele momento, era feito o culto a Morrighan entre os Celtas. E sim, isso era “sinistro”.
                Muitos sabem que nas soleiras de algumas portas tinham um buraco muito especial. Como uma espécie de prateleira,  E nela era colocada uma cabeça. A cabeça geralmente de um inimigo, aquele que lhe trouxe problemas, ou o que foi morto em uma batalha. O que seria isso se não um aviso aos que ali passassem do tipo: “Quer sua cabeça no seu pescoço? Então seja honrado comigo, e não tente roubar minhas terras, e nem me faça algo desonroso”. Além disso, considero este como um amuleto de proteção, e também uma oferta de vitória para a Deusa da morte e da guerra. Sim, eu interpreto essa cabeça como um amuleto e um culto a Morrighan, em uma forma de oferta de gratidão do dono da casa pelo serviço bem feito Dela. Ele estava vivo, já o inimigo... Bem, não teve a mesma sorte. E o que dizer dos achados de dezenas de corpos bem arrumados, montados e distribuídos em covas, onde estes foram provavelmente prisioneiros de guerra sacrificados? A quem? Por quê? Acho que a resposta automaticamente foi dada. Uma grande oferta de agradecimento. Por este motivo, ao ver algumas pessoas sinalizando o culto de Morrighan como algo menos mortal e duro, para mim é algo inconcebível. Vejo muitos outros dizerem por aí que “A Deusa evoluiu” que os Deuses evoluem, e que por essa razão não é mais assim. E esse culto se adaptou e não é mais esta energia mortífera que cultuamos, e eu me pergunto, como assim? A Deusa era “atrasada”? Teve que evoluir como um Pokémon? Ou eu que não quero ver que nada na vida muda, e que tudo é um grande ciclo? Ou ainda,  eu quero que esta energia evolua para caber nos meus moldes pessoais, onde já não consigo compreender por visão curta social e espiritual que aquilo é monstruosamente sinistro, mas é de uma beleza incomparável?  As guerras acabaram? – Não. Ainda tem gente que se mata como no Oriente Médio. Sim, e sempre existirá a guerra e a morte. Porque o ser humano não é igual, pensa, sente, age diferente. E sempre existirão disputas onde o sangue será derramado,  para que as nossas necessidades, a necessidade do campeão, prevaleça. O mais forte toma a terra. O mais forte come, porque esta é a lei natural. Para que um possa viver, da planta ao gado, uma vida será tirada,  para que a outra possa viver uma morre sempre.
                É duro, mas é a vida. Pode parecer triste, mas é um fato. Conviver com este fato de bem com a morte e com a vida é a única escolha que nos resta. Ou tentar justificar nosso culto com ideias evolutivas sem sentido.
                Bem, eu sei que muitos não irão concordar. Não sou dona da verdade, quem sou eu? Mas eu vejo cada coisa em seu lugar desde que o mundo é mundo. E acho que tudo tem sua beleza. Acho ainda que tudo está em seu lugar com sua devida importância,  e é simples para mim. Assim como claramente consigo distinguir sentimentos como amor, ódio, bem, mal, verdade e mentira. Para mim, nenhum deles é igual, mas vejo beleza em todos. Escutamos às vezes por aí que o mal e o bem dependem do ponto de visão, e que a verdade e a mentira dependem do aspecto pelo qual elas são observadas. Eu discordo. E acho inclusive que essa é a desculpa dos fracos ou dos sem caráter. O mal é mal. O bem é bem. A verdade sempre é a verdade. E a mentira por mais que disfarçada, sempre será mentira. Não misturo sentimentos, nem os confundo, e por isso não gosto de pessoas em cima dos muros. Para mim, são sentimentos bem distintos e situações bem separadas. Consigo ver beleza e necessidade em ambas. Mas eu nunca seria falsa o suficiente para fingir ou trocar um pelo outro.  E assim eu enxergo os meus Deuses. A Deusa da morte é dor e destruição do que é vivo, o que é uma lição para quem vê que nela está o equilíbrio. A Deusa do lar é a protetora de nossa casa, e temos que ver nela a alegria de ter conforto, família e herdeiros. E assim por diante. É nesse equilíbrio que eu creio, e não na “igualdade”. Acredito na dualidade sem misturar suas faces. No vencedor e no perdedor. O que ficou vivo e o que ficou morto. O que tem saúde e o doente.
                Estou escrevendo isso para mostrar que esses são pontos da vida que não se misturam, ora estamos em um estágio, ora em outro, e isto é um equilíbrio. Da mesma forma eu não misturo os meus Deuses. Eu não acredito na unificação dos Deuses em um, como alguns outros pagãos fazem. Este é um aspecto pessoal. Condeno quem o faça? – Não. Apenas eu não o faço. E é desse modo que eu enxergo Morrighan. Ela não evoluiu, ela É. Ela não alterou o seu aspecto, ela É. Ela não se adaptou ao mundo moderno, porque ela não precisa se adaptar nem a mim, nem a você. Porque a morte é o contrário da vida. E sempre que surgiu a vida, ela É. O mundo tecnologicamente “melhorou e evoluiu”, mas nossos sentimentos em nossos corações e almas ainda são os mesmos. Não evoluem. A morte existe, sempre existiu e sempre existirá, porque ela é um aspecto imutável, assim como os nossos sentimentos. Nunca surgirão novos, porque eles sempre existiram no mundo. São os mesmos, não evoluem. Amor, ódio, paixão e fé, entre tantos outros. E Morrighan pra mim, é o mais profundo dos sentimentos, o imutável, Morrighan É.


          Sentimentos não se misturam você ama ou odeia, mesmo que seja a mesma pessoa em momentos separados. Você é um mentiroso ou verdadeiro. Você tem honra ou não. Um sentimento passa por cima do outro, muda de ódio para amor ou vice versa, mas são sentimentos completamente distintos embora convivam. E é por essa razão que eu digo que não é porque a palavra é soberania que ela está ligada diretamente a bons acontecimentos. Minha maravilhosa Deusa dá a soberania a aqueles que conseguirem ver nela a honra da guerra, a felicidade da vitória em cima dos inimigos e em ver que suas ofertas são ofertas de comidas, bebidas e também de sentimentos profundos, como desejos de vingança, ódio e quem sabe até morte. Ela come e ela bebe daquilo que sempre foi e sempre será a sua oferta (mais tarde falarei sobre ofertas de Morrighan e sobre seu outro aspecto que é o sexo). Comidas e ofertas estas às vezes tão diferentes das nossas, porque hoje vivemos muitas das vezes de maneira mais tranquila e pacata. Mas devemos respeitar sua energia, suas ofertas e sua maneira de ser, pois também temos nossas batalhas pessoais, e os nossos perigos no dia a dia, e ela deve estar sempre agradada e de prontidão a nos proteger. Pode ser que suas ofertas de comida, bebida, e sentimentos nem sempre agrade a todos, mas quem agrada? A única coisa que podemos fazer é cultuá-la ou não. Mas mudá-la para encaixá-la em nossos moldes estreitos e pessoais, para mim é desrespeitoso e um tanto quanto covardia.
Morrighan, sua energia e seu poder são para poucos. Os poucos que tiverem espírito duro para compreendê-la, ou entendimento para saber que tudo está em seu devido lugar.