sexta-feira, 11 de julho de 2014

Dian Cecht, uma pesquisa, e algumas percepções pessoais

(Por Laise Ayres)

Gaudenzi-DianCechtEra Bealtaine, e eu estava dando as boas vindas aos Tuatha De Danann. De olhos fechados eu via as embarcações se aproximando, imensas contra a espuma branca do mar, e cada uma delas levava um deus. Na minha mão havia um barquinho de papel com a imagem do deus que eu deveria receber, mas, de olhos fechados, eu ainda não sabia qual era. Eu via ao invés a grande embarcação de madeira atracando lentamente na areia, a ponte descendo, uma expectativa para ver quem sairia, para quem eu daria as boas vindas ao nosso mundo. Abri os olhos e um grande sorriso caloroso e encarei o barquinho entre meus dedos, e o olhar grave de Dian Cecht encarou-me de volta. Minha reação imediata, automática, incontrolável, foi meu sorriso falhar, foi meu peito se fechar, foi um pensamento súbito, “Logo você?!?!?”
Horrorizada com a minha própria reação, pedi desculpas compulsivamente, respirei fundo, me recompus, reforcei o sorriso, e dei as boas vindas mais sinceras que consegui, com o sentimento mais verdadeiro que pude montar às pressas dentro de mim.
De lá para cá, conversei com muitas pessoas, e vi que esse é um sentimento comum, essa rejeição a esse deus. Os motivos estão na mitologia, pois um dos seus atos mais conhecidos é o de matar o próprio filho por inveja de suas habilidades. Mas, motivada pelo ocorrido em Bealtaine e também (principalmente, pois sou meio teimosa e tive que praticamente ser forçada, rs) pela tarefa que recebi no mesmo dia, me vi determinada a me aprofundar, encontrar outro ângulo, outra percepção. Esse texto é resultado direto dessa jornada.
Gostaria de incluir alguns dados pessoais que tornam esse grande aprofundamento ainda mais relevante, na atual conjuntura da minha vida: um dos fatos é que estou grávida, apaixonada pela ideia do parto natural e muitíssimo revoltada com o índice de cesarianas desnecessárias no nosso país, e também com os relatos de violência obstétrica sofrida por mulheres. Tenho visto relatos de (e também presenciado ocasionalmente) práticas médicas absolutamente condenáveis, que simplesmente não visam o bem estar do paciente e resultam em consequências deploráveis. O outro fato é que meu pai está com melanoma, uma espécie de câncer, e encontra-se na quarta tentativa de tratamento, uma quimioterapia tão violenta que é quase tão ruim quanto a própria doença. É, portanto, um momento de profundas conjecturas e percepções a respeito da vida, do nascimento, da morte, da doença e da cura: tanto a ideal, que prevê, como na tríade irlandesa, “um exame sem dor, cura completa e nenhuma cicatriz”, quanto a inconsequente, malfeita, destrutiva que é praticada todos os dias por profissionais irresponsáveis.
A minha pesquisa está dividida em duas partes: na primeira coloco tudo aquilo que encontrei em fontes originais, de manuscritos medievais a relatos de folcloristas, passando por determinados paralelos que encontrei em sites de fitoterapia e numa extensa pesquisa a respeito da medicina tradicional chinesa.  Na segunda, assinalada como “Comentários”, estão minhas percepções pessoais, interligando pontos da pesquisa com outros conhecimentos obtidos de forma mais incerta e minhas próprias conjecturas.
Espero que o conteúdo aqui apresentado seja útil a todo aquele que o ler, e que lance alguma luz sobre essa divindade tão controversa, que é Dian Cecht.
Significado do nome: [do Dindshenchas] Dian-cecht o nome do médico sábio de Erin, ‘o deus dos poderes’, porque cecht significa ‘poder’.
Outros nomes: Diancecht, Dian Cécht, Dian-cecht, Mac Cécht.
Atribuições: medicina, cura, recuperação, regeneração.
Árvore genealógica:
1) Filho de Danu e Bilé, irmão de Dagda e Nuada
Pai de Airmid, Miach e Etan (esposa de Ogma), Sawan, Cian e Goibhniu
Avô de Turenn (o mesmo cujos filhos mataram Cian)
Avô de Lugh
2) Filho de Esarg, irmão de Goibhniu, Credné e Luchta
Pai de Cian, Étan (esposa de Ogma), Ochttriuil, Miach e Airmid
Avô de Turenn (o mesmo cujos filhos mataram Cian)
Avô de Lugh
3) Filho de Ethliu, irmão de Dagda, Nuada, Goibhniu, Credné, Luchta e Lug Mac Cein
4) Em algumas versões é considerado filho de Dagda.
Obs: Em alguns lugares o pai de Cian, Cu e Céthe é chamado de Cainte, como por exemplo no relato da Primeira Batalha de Moytura ou no conto O Destino dos Filhos de Turenn. Li que Cainte poderia ser outro nome de Dian Cecht, quer dizer “discurso, fala”.
Locais associados: Heapstown Cairn (O Poço de Sláine), Planície de Moytura, Lough Arrow – Co. Sligo; Rio Barrow, cuja nascente fica em Co. Laois, mas ele passa por Kildare, Kilkenny, Carlow, Wexford e Waterford.
Árvore associada: aveleira (Coll, no ogham)
Ervas associadas: trevo de jardim (azedinha), dente-de-leão e morrião-dos-passarinhos
1) Azedinha ou trevo de jardim (Oxalis acetosella) – Propriedades e usos: Febrífuga, diurética, refrescante, depurativa, expectorante, adstringente, desopilante, descongestionante. Inflamações intestinais e da bexiga, constipação, feridas, gengivite, febre.
2) Dente-de-leão (Taraxacum officinale) – Propriedades e usos: Alcalinizante, anódina, anti-anêmica, anti-colesterol, anti-diarréica,antiescorbútica, antiflogística, anti-hemorrágica, anti-hemorroidária, anti-hipertensiva, antiinflamatória, antilítica biliar, anti-oxidante. Ácido úrico; acidose, acnes, afecções biliares, afecções hepáticas, afecções ósseas, afecções renais, afecções vesicais, aliviar escamações da pele, aliviar irritações da pele, aliviar vermelhidões na pele, anemias; arteriosclerose, astenia.
3) Morrião-dos-passarinhos ou Morugem (Stellraia media) – Propriedades e usos: Eczemas, picadas e ferradas de insetos, asma, indigestão e doenças de pele. Hemorragias nasais, inflamações como a cistite, e diabetes. Favorece as vias respiratórias, cura as inflamações dos brônquios, alivia cansaço e debilidade.
Obs.: há um “mingau de Dian Cecht” que é usado folcloricamente para curar várias doenças, como resfriado, garganta inflamada, congestionamento das vias aéreas, ou vermes. Ele é feito com avelãs, dente-de-leão, trevo de jardim (azedinha), morrião-dos-passarinhos e aveia.
Fontes na literatura medieval:
1) Livro das Invasões:
Agora Nuadu Airgetlam era rei dos Tuatha De Danann por sete anos antes deles chegarem à Irlanda, até que seu braço foi cortado na primeira batalha de Mag Tuired. (…) Bress filho de Elada assumiu o trono da Irlanda, por sete anos, até que o braço de Nuadu foi curado: um braço de prata com atividade em cada dedo e cada junta que Dian Cecht colocou nele, com a ajuda de Credne.
(…)
Agora de dolorosa praga morreu
Dian Cecht e Goibnenn o ferreiro:
Liughne o artífice também caiu
com eles por um forte dardo de fogo.
2) Primeira Batalha de Moytura:
(…) Os quatro filhos de Gann entraram na disputa. Contra eles avançaram Goibnenn o Ferreiro, Lucraid o Carpinteiro, Dian Cecht e Aengaba da Noruega.
3) Segunda Batalha de Moytura:
Naquela batalha, apesar de tudo, a mão de Nuada foi arrancada – foi Sreng filho de Sengann que a arrancou – então Dian-cecht o médico pôs nele uma mão de prata com movimento em cada junta; e Credne o ourives ajudou o médico.
(…)
Agora Nuada estava doente, e Dian-cecht colocou nele uma mão de prata com movimento em cada junta. Isso pareceu maligno para seu filho Miach. Ele foi até a mão que foi arrancada, e disse “junta a junta, tendão a tendão” e ele curou Nuada no triplo de três dias e noites. Nas primeiras setenta e duas horas ele colocou a mão contra o lado de Nuada, e ela cobriu-se de carne. Nas segundas setenta e duas horas ele colocou no seu peito. Nas terceiras setenta e duas horas ele colocou uma tala com junco negro quando eles enegreceram ao fogo.
Esta cura pareceu maligna a Dian-cecht. Ele lançou uma espada contra o topo da cabeça de seu filho e cortou a pele e a carne. O rapaz curou a ferida com sua habilidade. Dian-cecht o atingiu novamente e cortou a pele e a carne até alcançar o osso. O rapaz curou-se da mesma forma. Ele o atingiu com um terceiro golpe e foi até a membrana de seu cérebro. O rapaz mais uma vez cu0rou-se da mesma forma. Então ele lançou o quarto golpe e cortou o cérebro fora, e então Miach morreu e Dian-cecht disse que nenhum curandeiro poderia curá-lo daquele golpe.
Depois disso Miach foi enterrado por Dian-cecht, e 365 ervas, o mesmo número de juntas e tendões de Miach, cresceram do seu túmulo. Então Airmed abriu seu manto e separou essas ervas de acordo com suas propriedades. Mas Dian-cecht veio até ela e bagunçou as ervas para que mais ninguém saiba seus usos adequados. E Dian-cecht disse “Se Miach não existe, Airmed deve permanecer”.
(…)
“E tu, Dian-cecht”, disse Lugh, “que poder podes nos oferecer?”
“Não é difícil dizer”, disse ele. “Todo homem que seja ferido lá, contanto que sua cabeça não seja cortada fora ou a membrana do seu cérebro ou sua medula espinhal cortadas, eu o farei inteiro para a batalha na manhã seguinte.”
(…)
Heapstown Cairn - Co. Sligo
Heapstown Cairn – Co. Sligo
Isso punha fogo nos guerreiros que eram mortos lá, pois eles tornavam-se mais hábeis pela manhã. Porque Dian-cecht e seus dois filhos, Octriuil e Miach, e sua filha Airmed estavam cantando feitiços sobre o poço chamado Sláine. Agora seus homens mortalmente feridos eram lançados nele assim que eram massacrados. Eles saíam vivos. Seus ferimentos mortais tornavam-se inteiros através do poder do encantamento dos quatro curandeiros que estavam em torno do poço.
Agora isso era um problema para os Fomorians, então eles pediram que um de seus homens inspecionasse a batalha e os hábitos dos Tuatha De, Ruadán filho de Bres e Brígh filha de Dagda. Ele era filho e neto dos Tuatha De. Então ele contou aos Fomorians do trabalho do Ferreiro, do Carpinteiro e do Bronzista e dos quatro Curandeiros que estavam em torno do poço. Ele foi enviado de volta para matar um dos artífices, Goibniu. Ruadán implorou por uma lança, do Bronzista os rebites e o cabo do Carpinteiro. Então tudo foi dado a ele conforme ele pedia. (…) Após a lança ter sido dada a ele, Ruadá virou-se e feriu Goibniu. Mas ele arrancou a lança e a lançou contra Ruadán, de modo que ela o atravessou e ele morreu na presença de seu pai na reunião de Fomorians. ( …) Então Goibniu entrou no poço e saiu inteiro.
Havia um guerreiro com os Fomorians, Octriallach filho de Indech filho de Dé Domnann, filho do rei Fomorian. Ele disse aos Fomorians que cada homem deveria trazer uma pedra de Drowes para lançá-la no poço de Slaine em Achad Abla a oeste de Moytura, a leste do Loch Arboch. Então eles foram, e uma pedra para cada homem foi trazida até o poço. Por isso o cairn erguido nesta ocasião é chamado de Octriallach Cairn. Mas outro nome para esse poço é Loch Luibe, pois Dian-cecht colocou nele cada uma das ervas que cresciam em Erin.
River Barrow - Co. Carlow
River Barrow – Co. Carlow
4)  Bodleian Dinnshenchas
Berba, dentro dele foram lançadas as três víboras que habitavam os coraçõs de Méche, filho de Morrígain, após sua morte Mac Cecht em Mag Méchi (na época essa planície chamava-se Mag Fertaigi). O formato das cabeças das três víboras era o dos três corações que estavam em Méche, e, a menos que sua morte ocorresse, as víboras teriam crescido em sua barriga até que não sobrasse animal vivo na Irlanda. Então após matá-lo em Mag Luadat, Mac Cecht queimou os corações e lançou suas cinzas na correnteza, e ela ferveu, e dissolveu cada um dos animais que estavam lá dentro. (…) Como disse o poeta:
“Os corações de Méche, ferida dura,
Foram afogados no Barrow;
Suas cinzas, após terem sido queimadas por você,
Mac Cecht, assassino de uma centena, as lançou.”
5) Dindshenchas Métricas
O Barrow, aguentando seu silêncio,
que flui através do povo do velho Ailbe;
um parto é saber o motivo pelo qual é chamado
Barrow, flor de todos os nomes famosos.
Nenhum movimento elas fizeram
as cinzas de Mechi fortemente afetadas:
a correnteza empapou e silenciou além da recuperação
a sujeira caída da velha serpente.
Três voltas fez a serpente;
ela lançou-se ao soldado para consumí-lo;
ela teria arruinado por sua natureza toda espécie
de hostes indolentes da antiga Erin.
Então Diancecht a destruiu:
havia uma razão simples para destruí-la de forma limpa,
para evitar que ela trouxesse ruína
além de qualquer conserto, que consumisse completamente.
É conhecido para mim o túmulo onde ele a lançou,
um túmulo sem paredes ou teto;
suas cinzas malignas, -sem ornamentos na região
encontraram enterramento silencioso no nobre Barrow.
6) O Cortejo de Étain
(…) Então Midir veio naquele dia para o Brug para visitar seu filho adotivo, e ele encontrou Mac Oc no monte (…) com dois jovens acompanhantes (…) uma briga começou entre os dois jovens no Brug. “Não se mova”, disse Midir para Mac Oc, “(…) Eu vou eu mesmo fazer as pazes entre eles.” Então Midir foi, e não foi fácil apartá-los. Um galho de azevinho foi lançado em Midir enquanto ele intervinha, e ele arrancou um dos seus olhos. Midir veio para o Mac Oc com um dos olhos em sua mão (…).
(…) Disse Mac Oc, “Eu vou até Dian Cecht para que ele venha e cure a ti, e tua própria terra será tua, e essa terra será tua, e seu olho estará inteiro novamente sem vergonha ou mácula por causa disso.” O Mac Oc foi até Dian Cecht (…) Dian Cecht veio e curou Midir, deixando-o inteiro novamente. “Boa é minha jornada agora,” disse Midir, “já que estou curado.”
7) Os Julgamentos de Dian Cecht
Há um tratado médico atribuido a Dian Cecht encontrado no manuscrito Phillipps 10297 (agora G 11) na National Library of Ireland. O manuscrito é do século XV, mas linguisticamente o tratado parece ser bem mais antigo. Além de vários julgamentos a respeito do pagamento a procedimentos médicos baseando-se na classe social, há no tratado um parágrafo interessante sobre o que é denominado “As Doze Portas da Alma”, às vezes traduzidas como “Os Doze Portais da Vida”:
“Há doze portas para a alma no corpo humano: (1) o topo da cabeça, ou seja, a coroa ou moleira, (2) côndilos do occipital, (3) a fossa temporal, (4) a maçã da garganta (pomo de Adão), (5) a colher do peito (fossa supra esternal, no topo do esterno)(6) a axila, (7) osso do peito (esterno)(8) o umbigo, (9) a lateral do (?)(10) a curva do cotovelo (fossa cubital)(11) a fossa do joelho, ou seja, por trás (fossa poplítea, atrás do joelho)(12) a saliência da virilha, ou seja, o tendão do touro (trígono femoral)(13) a sola do pé.”
Sim, eles dizem doze, mas listam treze (sendo que o item número 9 está quase ilegível, vi em algumas traduções ser interpretado como “lateral dos rins”). O motivo é desconhecido. Por um lado, essa pode ser uma lista de pontos vulneráveis no corpo, lugares onde é mais fácil ferir, e para os quais um médico deve dar atenção. Por outro lado, pode ter um significado mais esotérico, por esse ser um tratado atribuído a um deus da medicina que possui um poço do renascimento; soa quase como um sistema de chakras irlandês. O termo “portas da alma” pode ter um significado dúbio, tanto pode significar áreas vulneráveis como pode significar áreas do corpo com atributos especiais.
Obs: Todos os pontos supracitados figuram na medicina tradicional chinesa como pontos importantes de acupuntura. A observar:
1) Topo da cabeça/coroa/moleira: VG20, portal da mente/espírito, indicado para desmaio, hipertensão, dores no topo da cabeça, convulsões.
2) Côndilos do ocipital: B10, acalma a mente, nutre o cérebro, interrompe a dor e relaxa os músculos. Beneficia o olfato.
3) Fossa temporal: VB1, clareia a visão, indicado para dor ocular, inflamação nos olhos, visão turva.
4) Cartilagem da tireóide/pomo-de-Adão: VC23, língua, paladar, garganta, fala. Indicado para afonia, sede excessiva, dificuldades da fala, rouquidão, aquela sensação de “nó na garganta”, de quando a pessoa queria ter dito algo mas não disse.
5) Fossa supra esternal: VC22, dores no coração, nos pulmões, enjôo. Faz com que energias agitadas do estômago se acalmem e descendam como deveriam.
6) Axilas: C1, principal ponto do coração, responde na circulação do sangue, indicado contra paralisia, auxilia na amamentação.
7) Esterno: VC17, é uma grande concentração e confluência de diversos canais de energia, libera emoções presas no peito, protege o coração. Indicado para tratar esquizofrenia.
8) Umbigo: VC8, indicado para fraqueza, falta de energia, trata rins, intestinos, dores abdominais.
9)  Lateral do ? (rins?): (talvez) VB25, usado para afecções renais, é o ponto de alarme dos rins, que indica quando há algo de errado com esse órgão. Harmoniza o corpo, e é indicado contra febre, problemas menstruais, nefrite.
10) Fossa cubital/dobra do cotovelo: CS3, refresca o sangue quando está muito quente, é calmante. Indicado contra ansiedade, medo, tristeza, febre, bronquite, palpitação.
11) Fossa poplítea/dobra do joelho: B54, relaxa o corpo e desobstrui o aparelho digestivo. Usado contra cólicas menstruais, também faz a menstruação presa descer.
12) Trígono femoral: BP12, usado para problemas urinários e do aparelho reprodutor. Trata de problemas do endométrio e dos testículos.
13) Sola do pé: R1, acalma a mente, trata de dores no topo da cabeça, convulsões, desmaios, insônia e epilepsia.
É interessante notar que o ponto nas solas dos pés tem efeitos muito semelhantes ao do topo da cabeça, e que basicamente todas as funções do organismo são contempladas por esses 13 pontos. A maioria deles é tão poderosa que acupunturistas usam constantemente, para tratar doenças bem diversas entre si.
Há também relação desses pontos com chakras (o topo da cabeça corresponde ao coronário, o pomo-de-adão ao laríngeo, o do centro do esterno ao cardíaco, o umbigo ao plexo solar/umbilical, e as solas dos pés são constantemente consideradas extensões do chakra raiz – apenas dois chakras não possuem relação direta, o chakra frontal, que se encontra na testa, e o chakra sacro, que se encontra na altura da virilha).
Encontrei também uma observação de um artista marcial, que apontou que todos esses pontos são muito vulneráveis numa luta corpo-a-corpo, sendo alguns deles muito adequados para neutralizar o oponente de forma imediata, e outros absolutamente fatais.
No mesmo texto também são citadas as sete fraturas do corpo:
1) Dentes
2) Braço
3) Antebraço
4) Coxa
5) Perna
6) Ponto do ombro
7) Ponto do calcanhar
O texto dá a entender que tanto essas fraturas quanto os Portais da Alma podem ser utilizados por um médico para determinar a gravidade da situação do paciente.
Também há uma teoria de que tanto os Portais da Alma quanto as fraturas do corpo poderiam estar relacionados ao valor da compensação monetária que o responsável pelo ferimento poderia ser obrigado a pagar ao ferido ou à sua família.
Observações a respeito da medicina na antiga Irlanda:
DianCechtMédicos parecem ter sido conhecidos pelo termo fáithliaig, que pode ser traduzido como vidente-sanguessuga (provavelmente relacionando-se à prática de usar sanguessugas como ferramentas de cura, ou à ideia de que o médico “suga” a doença para fora do paciente). Eles tinham uma posição prestigiosa na sociedade, com um meticuloso esquema legal os regendo.
Por exemplo, diferentemente dos gregos ou romanos que muitas vezes matavam pessoas doentes ou frágeis, a Lei Irlandesa obrigava que o melhor cuidado possível fosse dispensado aos doentes, feridos, frágeis e idosos. Médicos eram responsabilizados por seus atos. Uma tríade afirma que um médico deve oferecer “um exame sem dor, cura completa e nenhuma cicatriz”. É claro que isso é muito difícil de obter, mas essa tríade parece ser o grande objetivo dos médicos na antiga Irlanda, algo que eles almejavam conseguir.
Para a prática da medicina, o profissional devia ser qualificado e reconhecido publicamente, caso contrário poderia ser punido pela Lei. Caso um ferimento ou doença de um paciente fosse piorada por negligência ou falta de habilidade do médico, este era responsabilizado por isso através de leis muito similares às leis atuais de prática indevida da medicina. Um médico negligente ou sem habilidade que tenha causado prejuízo a um paciente deveria pagar tributos caros, baseados na natureza do dano, e também no status social do paciente na sociedade.
Eram permitidas licenças sabáticas aos médicos, para que eles pudessem se retirar e aprender novas práticas, ou estudar novamente conceitos que já conhecem de modo a manter-se aptos para praticar a medicina. Eles também eram obrigados a assumir até quatro aprendizes, que ao mesmo tempo em que aprendiam a medicina na prática, também verificavam o trabalho do mestre, para garantir que cada decisão era a mais adequada. A Lei Irlandesa obrigava que toda pessoa, independentemente do seu status ou classe social, tinha direito a tratamento de saúde.
Há registro de que médicos na antiga Irlanda realizavam certos procedimentos cirúrgicos (por exemplo, abrir um furo no crânio para drenar excesso de fluido ou tecido cerebral danificado), e utilizavam-se de banhos ou saunas terapêuticas, além de medicamentos fitoterápicos utilizando ervas medicinais.
Comentários:
Dian Cecht era o médico dos Tuatha De Danann, tratado com grande respeito e gratidão pelos demais. Todo problema de saúde, pequeno ou grande, é sempre levado a ele, e ele é descrito como extremamente competente, seja ao curar o olho de Midir, seja para com efeito abrir o peito de uma criança monstruosa e remover e destruir as víboras que estão lá dentro em lugar das entranhas.
Seus aprendizes são seus filhos, Miach, Airmid e, mencionado mais superficialmente, Octriuil. Deste último sabe-se praticamente nada, apenas que ele estava também cuidando do poço de Sláine durante a Segunda Batalha de Moytura, de modo que os guerreiros feridos em combate pudessem ser nele banhados e com isso renovados para a batalha no dia seguinte, mas os outros dois possuem determinadas características muito próprias. Parece seguro dizer, por exemplo, que o método de cura deles é diferente do de seu pai, conforme fica claro na passagem a respeito da mão perdida de Nuada. Dian Cecht parece preferir métodos cirúrgicos e protéticos, enquanto Miach e Airmid parecem preferir encantamentos, toques e ervas medicinais.
Conforme se sabe, Nuada perdeu a mão na Primeira Batalha de Moytura, e por isso perdeu seu posto de Rei (já que para ser rei era obrigatório que se tivesse o corpo e a mente completos e inteiros). Em seu lugar assumiu Bress, um Fomorian, e ele em pouco tempo provou-se um rei tirano. Isso fez com que houvesse uma grande necessidade de que Nuada retornasse ao seu cargo, e numa tentativa de resolver o problema Dian Cécht faz para ele, com a ajuda de Credne, uma mão de prata perfeitamente funcional como prótese. No geral isso parece ter resolvido o problema, mas há uma versão em que a princípio a mão funciona muito bem, mas depois o punho na junção com a prótese apodrece e Nuada mais uma vez torna-se impossibilitado de reinar.
Nuada retira-se então para um castelo, tendo como carregador de bagagens um homem sem um olho. Vendo a necessidade de Nuada receber uma mão adequada, Miach e Airmid vão vê-lo nesse castelo. O carregador de bagagens queixa-se da sua falta de um olho, pedindo que os dois curandeiros o ajudem. Miach e Airmid então pegam um olho de um gato e colocam-no na órbita vazia do homem. Ele fica muito feliz, apesar dos inconvenientes de não conseguir dormir direito à noite pois o olho do gato permanece aberto, e do olho do gato estar sempre em busca de ratos. O criado conta a Nuada do feito de Airmid e Miach e o antigo rei aceita recebê-los. É então que Miach pergunta a Nuada onde sua mão decepada fora enterrada, a desenterra, e através de encantamentos, faz com que ela primeiro se cubra de carne novamente, depois ganhe vida, e depois prenda-se perfeitamente no punho de Nuada, sem cicatriz visível. E assim, ele pode voltar a ser rei.
Dian Cécht, ao saber da cura realizada por seu filho, a reprova completamente. Ele atinge a cabeça de Miach com uma espada quatro vezes: na primeira, corta a pele e a carne, e Miach se regenera. Depois, ele corta até o osso e o mesmo ocorre. Na terceira vez, ele corta até a membrana do cérebro, e Miach mais uma vez consegue se curar. No fim, Dian Cécht corta o cérebro do filho por completo, e Miach morre. Dian Cécht então enterra seu filho e de seu túmulo nascem 365 ervas medicinais (em uma das versões, as ervas nascem das lágrimas de Airmid, que chora sobre o túmulo do irmão). Airmid as organiza em seu manto e cataloga por uso, mas quando Dian Cécht fica sabendo disso, ele vai lá e as espalha completamente.
Os dois atos, o de matar o filho e o de espalhar as ervas da filha, são muitas vezes citados como atos de inveja e orgulho, por não admitir que eles sejam melhores curandeiros do que ele próprio. Em muitas versões ele é visto como um pai ciumento e um profissional arrogante, que não admite ser superado em suas habilidades nem mesmo pelos próprios filhos. Mas existem outras versões possíveis.
Em uma delas, Dian Cecht reprova a mão que Miach devolve à vida como sendo algo maligno, algo inaceitável e desrespeitoso, como se Miach tivesse feito algo que subverte regras básicas que deveriam ser seguidas. Como se Miach tivesse sido antiético do ponto de vista da prática da medicina, ou pervertido as próprias leis da natureza. Li um comentário que comparava a cura feita por Miach a uma espécie de necromancia, algo antinatural que não obedece aos ciclos, algo perigoso e inadequado.
Lendo sobre as leis meticulosas que regiam a prática da medicina na antiga Irlanda (por exemplo as complexas relações de compensação monetária que um médico deveria oferecer ao paciente ou à família em caso de erro por negligência ou inabilidade, que tornavam-se agravadas por extensão e gravidade do dano efetuado, bem como por área do corpo e classe social), não é difícil imaginar que a discordância de Dian Cecht quanto aos métodos de seu filho poderia ser fundamentada em ética profissional. Talvez ele tenha considerado as práticas de Miach experimentais, incertas, com algum potencial para causar dano a médio ou longo prazo, perigosas por serem novas e ainda não comprovadamente eficazes. Há na lei descrita no manuscrito Os Julgamentos de Dian Cecht uma forte preocupação com a boa prática da medicina, já renomada, comprovada, tradicional e revisada que parece corroborar com essa possibilidade. Quando conversei a respeito disso com um amigo ele levantou uma questão que me deixou muito pensativa e, na impossibilidade de chegar a uma conclusão, resolvi compartilhá-la: será que Dian Cecht aprova a ética da medicina praticada atualmente?
Quanto ao espalhar das ervas catalogadas por Airmid, infelizmente o monge que copiou este conto incluiu uma visão Cristã de que Dian Cecht justificaria seu ato dizendo que aquele conhecimento só deveria ser obtido através do Espírito Santo. Mas também é possível interpretá-lo de forma mais simbólica: a de que, para obter o conhecimento do uso de todas as ervas, é necessária uma grande dedicação e um longo estudo, e esse conhecimento não deve ser obtido de mão beijada, e sim por merecimento. Uma outra interpretação sugeria que o conhecimento do uso das ervas deveria ser reservado à profissão, não devendo ser divulgado, e que era esse privilegio que Dian Cecht buscava preservar.
Também li uma interpretação interessante, de que os atos de censura de Dian Cecht aos métodos de cura dos filhos visariam manter o equilíbrio da natureza, pois caso as pessoas pudessem ser curadas de qualquer mal de forma tão perfeita e exata, sabendo qual erva cura o que, e tendo partes do corpo revividas impunemente, seria um poder grande demais para a humanidade, a morte deixaria de existir, e o equilíbrio da natureza seria posto em risco.
Se levarmos isso em consideração, podemos dizer que ele possui um senso de retidão, de causa e consequência, de responsabilidade, e que ele não permite que emoções ou preferências pessoais interfiram com suas decisões. Um deus austero e severo, criterioso, que não se deixa abalar e faz o que considera adequado. Doa a quem doer, pois a morte também é uma solução.
Isso também se torna flagrante no episódio das víboras que habitavam o corpo de Méche, o filho de Morrigu. Dian Cecht no momento em que olha para a criança percebe sua malignidade e não hesita em abrir seu peito. A princípio parece que o menino possui três corações, mas logo fica revelado que seus corações são as cabeças de três serpentes venenosas. Dian Cecht imediatamente as mata, queima e joga suas cinzas no Rio Barrow, que ferve matando toda a vida que se encontrava nele. Fica revelado então que, se isso não tivesse sido feito, as víboras dentro do corpo de Méche teriam crescido e devorado tudo o que é vivo na Irlanda.
Esse episódio é testemunho da eficiência e objetividade do médico, que consegue ver o mal oculto dentro de algo aparentemente inocente – o corpo de uma criança – e trabalha rapidamente para cortar esse mal pela raiz.
A morte de Miach pelas mãos de Dian Cecht também pode ser vista de forma simbólica, considerando que a espada – um instrumento de ação, de vontade – é repetidas vezes lançada contra o topo da cabeça – que é um dos Portais da Alma – até que penetre no cérebro. O motivo pelo qual tendo a considerá-la simbólica é que ela é descrita no texto da Segunda Batalha de Moytura, poucos parágrafos antes de Miach reaparecer vivo e com saúde, ao lado do pai, de Airmid e de Octriuil, cuidando do poço de Sláine e curando os Tuatha De Danann durante a batalha.
A impressão que dá é que esse momento, dos quatro reunidos em torno do poço de Sláine, ao qual foram adicionadas todas as ervas da Irlanda (supostamente as mesmas que Dian Cecht espalhou do manto de Airmid), cantando encantamentos e guiando os guerreiros feridos para dentro e os curados para fora, é o momento em que todos os estilos de cura são unidos em prol de uma causa maior. As diferenças de método são esquecidas, e todos os talentos se unem com apenas um objetivo, e assim milagres ocorrem.
Uma curiosidade a respeito desse poço é que conta-se que os Fomorians, descobrindo-o como chave do sucesso dos Tuatha De Danann (que num dia estavam à beira da morte, mas no dia seguinte apareciam para a batalha em perfeita forma e saúde, e mais habilidosos do que antes) juntam-se e recolhem pedras do rio Drowes, e cada Fomorian joga uma pedra no poço, até que o cobrem completamente e formam uma montanha de pedras. Em County Sligo há um cairn chamado Heapstown Cairn, que dizem ser essa montanha de pedras feita pelos Fomorians para neutralizar o poço de Sláine.
Dian Cecht é sempre descrito ao lado dos três deuses artífices (Goibhniu o Ferreiro, Luchta o Carpinteiro, Credne o Ourives), quase como se o ofício dele fosse da mesma natureza que o dos outros três. Em muitas versões os quatro são irmãos, e na Segunda Batalha de Moytura é mencionado que Credne auxilia Dian Cecht a fazer a mão de prata para Nuada, e mais adiante na história Goibhniu utiliza-se do poço de Sláine de Dian Cecht para curar-se de um ferimento mortal de lança.
Essa associação entre o trabalho com metais e a cura não é incomum. Na antiga Escócia há indícios de que ferreiros poderiam ser vistos como curandeiros, e de que a água usada para resfriar o ferro seria considerada mágica,  tendo absorvido as propriedades de cura inerentes do metal, e por isso seria usada para curar qualquer tipo de doença. O trabalho do ferreiro e do ourives no nosso imaginário remete facilmente à alquimia, em que um material bruto passa por agentes místicos, transformadores, para tornar-se algo novo. Essa associação também é encontrada na deusa Bríd, que possui relação tanto com o fogo da forja quanto com o poço de cura.
A morte de Dian Cecht, mencionada muito rapidamente no Livro das Invasões, se deveu a um dardo venenoso, assim como Goibhniu e Luchta. É descrita como muito dolorosa. Eu particularmente considero essa morte um grande mistério. Como um médico tão habilidoso morre de um dardo envenenado? Deixando minha mente voar um pouco, me pergunto se isso não demonstra mais uma vez o modo como Dian Cecht parece “curvar-se” aos ciclos e às leis de causa e efeito da natureza, reconhecendo a hora de ir e não fazendo nada para impedi-la.
Mesmo assim, Dian Cecht é reverenciado e relembrado por suas habilidades e seus feitos como médico, uma divindade da cura, e há registros de que seus poderes eram invocados na Irlanda para auxiliar doentes e feridos até o século VIII.
Há uma observação interessante que relaciona Dian Cecht a Lugh: sendo pai de Cian, o médico é avô de Lugh. O outro avô de Lugh parece praticamente uma antítese de Dian Cecht por tratar-se de Balor, cujo olho é venenoso e seu principal atributo é ser capaz de matar de forma rápida e eficaz um grande número de pessoas ao abri-lo. Balor também é facilmente associável ao caos, enquanto Dian Cecht parece mais relacionado à estrutura organizada, à razão e à retidão.

2 comentários:

  1. Olá! Este blog é ainda ativo? Gostaria de esclarecer algumas dúvidas. Cheguei até a este site que muito me ajudou, entretanto, algumas outras surgiram no lugar. Gratidão.

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  2. magnífico estudo. Apenas dizer, que Dian Cecht, mata o filho, mata também o ser inferior - mata a apariência por cima da razao. A medicina que utiliza a imperfeiçao na apariência de perfeiçao...

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