sexta-feira, 18 de julho de 2014

Boann - a deusa do An Bhóinn

Boann é a deusa associada ao rio Boyne, rio que corta o complexo do Brugh na Bóine – atual Newgrange. Ela é casada com Elcmar (às vezes Nechtan, dependendo da versão) e era proibida, assim como qualquer outro que não seu marido, de se aproximar do Poço da Sabedoria (Tobar Segais), cercado por 9 aveleiras que alimentavam o salmão nadando em suas águas. Boann descumpriu as ordens dadas e se debruçou no poço, que explodiu suas águas atirando-se sobre a deusa. Versões diferentes falam sobre o destino de Boann, mas comumente se diz que ela sobreviveu à fúria das águas perdendo um olho, um braço e uma
Boann e o rio Boyne
perna. Desta forma, Boann é associada à Sabedoria. Perder partes de seu corpo é uma alusão ao Conhecimento, pois não se adquire nenhum conhecimento sem perder algo. Explico melhor, quando se obtem conhecimento sobre determinado assunto, sua visão muda, seu jeito de caminhar pelo mundo muda e não toca mais as coisas ao redor da mesma maneira. Você nunca mais será o mesmo depois que recebe determinado conhecimento.
Mas essa deusa é muito mais complexa.

Em sua mitologia, Boann também é mãe de Angus Mac Óg (Aengus ou Oengus são ortografias possíveis também) com o Daghda. O Daghda foi amante de Boann por uma noite e desse encontro foi gerado o deus jovem. Ao saber da gestação, o Daghda usa seus poderes e faz com que o Sol esteja a pino por 9 meses, podendo assim parecer que da concepção ao parto de Angus, passou-se somente 1 dia. Então, Boann é mãe de Angus, que em tempos mais modernos seria associado a Apolo e Narciso da mitologia grega pela beleza e juventude, e também uma deusa da Sabedoria. Mas a questão que se pode fazer aqui é: Por que o Daghda se interessou por Boann? Não há em nenhum mito destaque sobre suas características físicas que indiquem o porquê. Aliás, não há nenhum tipo de descrição de Boann, talvez somente em textos mais recentes em que se faz alusão a ela ser mãe de Bríd ou até mesmo esta própria deusa.

Como disse, Boann é uma deusa bem mais complexa. Boann vem da contração de 2 palavras irlandesas Bó + Fhionn (Bó + Find em irlandês antigo) que significa “Vaca Branca”. As vacas brancas são animais associados ao deus Daghda, o que explicaria, então, seu affair com a deusa Boann. Ele, assim, afirma sua posição como Deus fertilizador e perpetua a imagem da vaca como um animal representando da fertilidade e prosperidade.
A deusa das vacas brancas
Sabe-se, também, que a vaca é um animal bem comum em mitos irlandeses. Basta observar a quantidade de textos como “Táin Bó” (Ataque ao Gado), transformando esse gênero como um dos mais encontrados na literatura irlandesa, junto aos Imramma (Viagens ao Outro Mundo). O táin bó mais conhecido é o “Táin Bó Cúailnge” (O ataque ao gado de Cooley), mas podemos encontrar, pelo menos, mais 6 táin bó famosos: “Táin Bó Flidaise”, “Táin Bó Aingen” e “Táin Bó Fraích” são alguns exemplos (Assalto ao gado de Flidais, Aingen e Fáech, respectivamente).
Porém, a associação de Boann com as vacas parece ser mais antiga. Existe um mito pouco conhecido em que podemos ter uma primeira visão sobre essa deusa tão importante, mas pouco venerada pelos pagãos de hoje em dia. Diz-se que uma bela Berooch (ou sereia) veio à Irlanda anunciar a chegada de 3 vacas vindas do Oeste e um ano após a anunciação, 3 vacas majestosas surgiram das águas do mar: uma negra, uma branca e uma marrom. As 3 vacas surgiram e pararam na costa Oeste da ilha com sua pele brilhante e olhos bondosos observando o povo que as esperava. Pouco tempo depois se puseram a caminhar e tomaram 3 caminhos diferentes. A vaca preta (Bó-Dhu) se dirigiu para o Sul; a vaca marrom (Bó-Ruadh) se dirigiu para o Norte; e a vaca branca (Bó-Find) cruzou a planície irlandesa em direção ao centro, em direção ao palácio do Árd Rí (O Grande Rei da Irlanda). Por cada local que essa vaca passava, a cidade era nomeada em sua homenagem; cada poço em que a vaca bebia era chamado de Lough-na-Bó ou Tober-Bó-Finn (Lago da Vaca ou Poço da Vaca Branca) para que nunca se esquecesse de sua chegada. E assim foi, a palavra “bó” é uma das palavras mais comuns em irlandês, inclusive na toponímia. Ao chegar ao centro da ilha, a Bó-Find gerou 2 bezerros, um macho e uma fêmea que deram origem a uma maravilhosa raça de gado que, segundo se diz, existe até hoje. A vaca branca logo se dirigiu em direção ao mar (não se diz se para Leste ou Oeste, mas é mais provável que para Leste) e se escondeu numa caverna às margens de um lago, num sono profundo, esperando que o Árd Rí viesse acordá-la.
Ora, isso mostra que, possivelmente, Boann foi a primeira Deusa da Soberania. Ela não somente era um animal sobrenatural como também trouxe fertilidade à terra e só seria acordada pelo Grande Rei. Essa é uma aproximação bem nítida do rito de posse da terra que encontramos com a chegada dos Milésios.
Vale ressaltar que a Colina de Tara está há alguns kilômetros somente (aproximadamente 4km) do rio Boyne e que Newgrande está a leste de Tara, seguindo o curso do Boyne. Pode-se imaginar, portanto, que Bó-Find, a Vaca Branca, foi com o tempo, perdendo sua importância como Senhora da Soberania passando a ser a Deusa Boann que habita o rio Boyne, uma deusa da Sabedoria.
Alguns membros do meu clã, numa viagem à Irlanda, tiveram uma experiência no mínimo "suspeita": próximo à Tara, num terreno agora particular, encontraram uma gruta próxima às margens do Boyne com oferendas, restos de velas e tudo o mais. Se aproximaram, deixaram suas oferendas e orações. Ao se levantarem para sair, perceberam que muitas vacas brancas se dirigiam a eles. Só algum tempo depois é que eles puderam entender a ligação.

Castelo Trim às margens do rio Boyne

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