quinta-feira, 12 de março de 2015

Torc - Um símbolo além da ornamentação.

É muito comum visualizarmos imagens de Deuses, heróis e até mesmo pessoas normais utilizando um adorno peculiar em seus pescoços, de modelos variados e feitos de vários materiais, desde o ouro, a prata, ou bronze. Esta jóia é o Torc.
 
Foi com esse objeto, que se popularizou o reconhecimento de uma figura como celta.
 
Gaulês moribundo
A exemplo, temos o Gaulês moribundo, a representação romana mais conhecida de um guerreiro celta, que usa um Torc. Cernunnos presente no caldeirão de Gundestrup possui o mesmo simbolismo na mão e também adornando seu pescoço e  existe também uma escultura Hallstatt do século VI em que o homem é identificado como um celta pelo Torc que usa.
Cernunnos - Caldeirão de Gundestrup

Era apenas mais um dos adornos que os celtas gostavam de utilizar? Sim, esse conjunto de tribos que assim foi denominado gostava muito de se enfeitar. Mas seria mesmo apenas uma jóia?
 
Poseidonius faz a seguinte citação:
 
"À franqueza e vigor do temperamento (dos celtas) devem ser inclusos traços de jactância (prepotência, arrogância, ato de gabar-se) infantil e amor por decoração. Eles utilizavam ornamentos de ouro, Torcs em seus pescoços e braceletes em seus braços e pulsos."

Guerreiro de Hirschlanden - Séc. VI Hallstatt
Poseidonius descreveu os povos celtas com "deleite à ostentação berrante" que melhor se traduz por Torcs altamente elaborados e impressionantemente grossos e pesados.
 
O que me leva a crer que o objeto de grande ostentação era algo que poderia ser superior a uma jóia, um símbolo embuído de algum poder, ser ligado a realeza e até mesmo possuir simbolismo mágico.
 
Polibio também escreveu sobre o medo dos soldados romanos ao encontrarem guerreiros celtas possuíndo Torcs de ouro e braceletes.
 
Muitos foram encontrados ao longo da história por arqueólogos, de diversos metais e formas, muitos se encontram hoje em Dublin, no Museu Nacional da Irlanda.
 
Uma crença poderosa foi descrita por várias narrações. O que também reforça a minha especulação.
 
Nas escrições a respeito da Rainha Boudicca, os escritos enfatizaram bastante seu grande colar torcido e dourado, pelo qual se denota que eles tenham sido atingidos por esse símbolo de força. Na guerra, claramente foram considerados símbolos de força e autoridade.
 
Existe um conto, que sugere o poder místico que seria imbuído ao Torc, do guerreiro romano T. Manlius Torquatus, que teria ganho seu nome após ter roubado o Torc de um guerreiro caído. Ao roubar o artefato, o mesmo "captura a essência" da força do guerreiro e a confere a si mesmo.
 
Também há evidências de servirem como oferendas em rituais ou utilizados apenas com intuitos ritualísticos, pois muitos dos Torcs que foram encontrados em áreas pantanosas ou ribeirinhas tinham um peso absurdamente grande, o que impossibilitaria o seu uso ou o restringiria ao uso por curto espaço de tempo, como sugerem alguns arqueólogos.
 
São Cynog
Símbolo intimidador nas batalhas e de realeza. Essas características se mantiveram mesmo após a chegada do cristianismo, como mostra o conto de São Cynog, neste, o mesmo ganhara um Torc de seu pai, e o utilizava em sua cabeça. Durante sua vida, o mesmo passou por diversas situações onde esse instrumento místico salvara sua vida e até mesmo indicara o local onde deveria ser enterrado. Na primeira história o vemos proteger uma viúva e sua família,  ficando este sentando a noite toda a porta de sua casa, com o intuito de tentar conter uma horda canibal de invasores lideradas por um chefe que assassinava todos aqueles que se encontravam em seu caminho. Ao encontrar o chefe na madrugada, o mesmo barganha a vida da viúva e sua família oferecendo-lhe um pedaço de carne de sua coxa, no que o chefe imediatamente corta e começa a saboreá-la. O santo volta na noite posterior e vendo que o chefe voltara a porta da viúva e tenta comer mais um pedaço de seu corpo, retira o Torc de sua cabeça e acerta a cabeça do chefe (disse o Santo que recebera inspiração divina), que cai morto na mesma hora. A horda cheia de medo, foge do lugar e nunca mais é vista. Em uma segunda história, sobre o famoso Torc de Cynog, um ferreiro debocha e não acredita na história contada sobre a morte do chefe canibal, retira o Torc de Cynog e dá com toda a sua força um golpe de bigorna no objeto. Deste, sai uma lasca que perfura o cérebro do ferreiro e este cai morto instantaneamente. E ainda em uma terceira história, por inveja e raiva, um grupo parte para assassinar São Cynog, cortam-lhe a cabeça, e este com ela pendurada caminha por um longo espaço de tempo até que um dos algozes decide retirar o Torc da cabeça de Cynog e este sem o poder da peça cai por fim morto.

Como podemos observar, essa peça tão famosa utilizada pelos celtas como símbolo de status, poder e divindade, foi utilizada também posteriormente, por nórdicos e até mesmo por várias "imagens" cristianizadas.
 
Existem ainda diversos outros mitos e relatos do poder desta jóia. O que me leva a crer cada vez mais, que muito mais do que uma simples representação de poder e beleza, o Torc foi e ainda é um canal com o divino.