quinta-feira, 23 de outubro de 2014

As Várias Árvores da Floresta III: Jéferson Matthes Vedoy

A terceira entrevista da nossa série está imperdível, é com o Jéferson Matthes Vedoy, da ordem Walonom (RS). Com muita generosidade e riqueza de detalhes, Jéf nos explica melhor a respeito de como é essa Tradição Druídica que nasceu bem aqui em terras tupiniquins.

Jéf, muito obrigada de coração pela visível dedicação com que respondeu nossas perguntas. Vida longa e próspera à Ordem Walonom! Que a chama de Bríd o abençoe e a todos os seus!

Visitem a página da Ordem Walonom clicando aqui!

Parte I (perguntas genéricas) 

Identidade

1. Como você se intitula, como chama sua prática religiosa?

Me intitulo Waloniano, o caminho que sigo é o da Tradição Druídica Waloniana.

2. Na sua opinião, o que distingue sua prática de outras dentro do Paganismo Celta?

Quando a Tradição foi pensada não havia muito movimento céltico no Brasil, isso em 2001, redes sociais não existiam e até mesmo o acesso à internet era bastante limitado. Toda informação era obtida através de pouquissímos livros e revistas ( nem sempre confiáveis) e através de pessoas que estivessem dispostas a compartilhar aquilo que sabiam, e nossa posição geográfica ( Rio Grande do Sul) não ajudou na interação com outras pessoas, estamos distantes do centro cultural brasileiro. Dentro deste cenário nós buscamos tudo que pudemos para construir as bases do que hoje chamamos Tradição Druídica Waloniana, unindo a busca da informação com um forte sentimento clânico, já que dependíamos basicamente uns dos outros. Por anos ficamos completamente à parte do “cenário céltico brasileiro” trabalhando internamente diferentes questões e construindo instintivamente nosso estilo de religiosidade.

Após o início da interação com caminhos já estabelecidos como o Druidismo e o Reconstrucionismo percebemos que não nos enquadrávamos completamente em nenhum deles e tínhamos criado uma forma alternativa, um reconstrucionista nos achará druidistas demais e um druidista vai nos achar reconstrucionistas demais. Como o Druidismo e o Reconstrucionismo um dia foram pensados, criados e organizados, assim fizemos com nosso caminho.

Não tenho experiência com nenhum outro caminho para seguramente apontar distinções, no entanto posso afirmar que somos permeados de um forte sentimento clânico nos comportando como uma família, entendemos que a espiritualidade deva ser uma prioridade para aqueles que buscam este caminho bem como seu trabalho enquanto membro de uma micro e macro comunidade, temos posicionamento frente a debates sócio culturais, não achamos que o sacerdócio seja o único caminho disponível para viver a religiosidade mas entendemos que qualquer caminho escolhido deva ser cumprido com serenidade, honra e sabedoria e principalmente, achamos que qualquer pessoa possa praticar nossa espiritualidade, pregamos acima de tudo a acessibilidade imediata, sem exigir curriculum ou formação acadêmica.

Temos como principal proposta a popularização da religião de inspiração céltica assim como foi feito com o espiritismo quando chegou aqui no Brasil.


Coletividade

3. Você pratica sozinho ou em grupo?

As duas coisas, tenho minhas práticas de culto doméstico onde tenho minhas irmã como companheiras e o culto mais formal com o Bosque que faço parte, o Feth Fiada. Mas também tenho um bom culto devocional, este pratico sozinho.

4. Pertence a alguma tribo, ordem, coven, clã?
Sim, sou membro da Ordem Walonom e do Bosque Feth Fiada.

5. Como se dá a entrada de novas pessoas no seu grupo?

Na Ordem: existe um processo inicial através de um curso básico ( na versão on line ou presencial) e após o curso a pessoa que desejar participar efetivamente deverá fazer uma entrevista com um tutor, sendo aceito, já constará como membro ativo.

No Bosque: deve ser membro ativo da Ordem Walonom. Deve solicitar participação e após um período de adaptação frequentando nossos encontros e ritos poderá passar pelas iniciações adequadas.

6. Há títulos ou hierarquia de algum tipo em seu grupo?

Sim, a Tradição Druídica Waloniana estabelece uma hierarquia padrão:

Os Doer Nemed : Dedicantes >>>>> Devotos >>>> Laoch ( guerreiros)

Os Nemed : Faith / Draoi/ Fili ( são os sacerdotes) >>>> Cenfinne ( são um casal, onde a mulher representa a soberania e o homem a força da tribo, são o poder temporal e não necessariamente preenchido por sacerdotes).

Anualmente são escolhidos o Gamo e a Donzela ( servem como indicações para ocuparem o cargo de Cenfinne na ausência deles )


Devoção

7. Você é pan-céltico ou exclusivo de alguma nação ( irlandesa, escocesa, ibérica, galesa, etc)?

Embora meu mais antigo alvo de devoção seja Cernunnos meu foco é gaélico.

8. Como você escolheu seu panteão?

O ritual base, a estrutura social e espiritual da tribo são baseados nos registros irlandeses, buscar este panteão foi automático e natural no meu trabalho em grupo, e os Deuses gaélicos falam diretamente ao meu coração, ouço, vejo e interajo com eles de forma orgânica e muito poderosa.


9. Há divindades específicas pelas quais você tenha devoção?

Sim, em ordem de oficialização da devoção: Cernunnos, Brighid e Morrighan. Tenho íntima ligação com mais uma dúzia e amo mais outras, mas oficialmente sou devoto somente destes três.

10. Há algo que você possa acrescentar a respeito dessa devoção?

Acho que quando se torna devoto de uma divindade é necessário além de estudar e conhecer sua mitologia, força e personalidade para elaborar culto, oferendas e orações, é necessário trazer todos estes elementos para a realidade, tirar o culto da virtualidade. Para Cernunnos eu me dedico de forma mais intimista ainda, sempre foi assim, mas dentro da minha devoção à Brighid eu criei o trabalho das vigílias e faço procissões frequentes ao poço que dedicamos à ela e sempre me disponho a ajudar com meus conhecimentos técnicos na área da saúde, já sobre Morrighan criei um projeto chamado Grasnar onde escrevo músicas devocionais, não somente em sua honra mas usando sua força de inspiração principalmente. Para Morrighan ainda guardo um projeto futuro e mais ousado.

Prática

11. Que elementos compoem sua prática? Há ritos? Orações? Oferendas?

Sim, há todos estes elementos associados a uma forte presença comunitária. Além disso tenho meditações, visualizações e outros elementos inspirados como o Toque, nossa versão da incorporação.

12. Roda do Ano Norte, Sul ou Mista?

Dentro da TDW chamamos Grande Espiral a roda do ano solar e Pequeno Espiral a roda do ano lunar, ambas são flexíveis no sentido que praticantes do HS celebram pelo sul e praticantes do HN praticam pelo norte, eu e meu grupo especificamente praticamos a sulista.

13. Datas destinadas a determinadas divindades?

Sim, temos algumas datas específicas para determinadas divindades como por exemplo o culto a Crom Cruaigh celebrada em janeiro.

14. Há uso de altares, objetos mágicos ou simbólicos, ervas, flores, alimentos ou cristais?

Nossa Tradição está em plena construção em diversos elementos isso inclui o uso de cristais e correspondências de ervas e flores, no entanto não erguemos altar, usamos oratórios ( que não são obrigatórios) e nenhum objeto mágico. Como cremos que nosso corpo seja a versão microcósmica da Terra, entendemos que assim como a natureza precisamos somente aprender a usar as partes que nos compõem, nosso corpo é nosso maior e único instrumento.

Em alguns ritos usamos símbolos como os Quatro Tesouros dos Tuatha, mas eles não cumprem o papel de instrumento mágico como é o caso do Athame para os Wiccanos.

Ancestrais e Espíritos

15. Na sua prática há algum culto a Ancestrais, sejam eles culturais, físicos ou locais?

Há sim, aliás é fortíssimo este elemento na prática, sempre, em qualquer rito são chamados e ofertados os Ancestrais, bem como os Espíritos e Deuses.

16. Há introdução de elementos negros ou indígenas?

Não especificamente. A religião Yorubá mantém muitos elementos similares e até idênticos aos nossos como a sacralidade do número nove e sua visão divina, mas optamos por não mesclar elementos de nenhuma religião de forma direta, ou seja, mesmo que possamos nos debruçar sobre uma ou outra prática para estudo e comparação, não trazemos para nossos ritos e cosmovisão qualquer pedaço religioso que não céltico, até mesmo em respeito a essas culturas.

17. Há oferendas? Orações? Símbolos? Datas específicas?


Há oferendas, há orações, há símbolos e lembrança e como associamos os festivais do fogo com as luas, prestamos culto aos Ancestrais sempre na lua nova, ela para nós está ligada às energias do Samhain, principalmente dentro do trimestre após o primeiro de maio.


Parte II (perguntas específicas)

1. Um dos seus trabalhos mais bonitos, na minha opinião que olho de fora, é o da Vigília Brighidiana. Fiquei feliz que você mencionou. Você pode me dizer um pouco mais a respeito de como surgiu essa prática e como ela foi estabelecida e, se possível, os resultados que você tem observado?

Este é o trabalho que mais tem me deixado feliz e satisfeito, é deveras algo muito bonito.

Eu buscava meios de atender minhas necessidades de culto, era agosto, eu estava iniciando minha guarda da chama perpétua de Brighid ( que mantenho desde 2012 juntamento com minha irmã) mas  sentia que faltava algo de efetivo diferencial, tenho formação na área da saúde e sou acostumado com ações que levam ao efetivo impacto na vida dos meus pacientes, diante de alguém com dor não adianta muito pegar em sua mão e dizer “que pena”, é preciso buscar meios de aliviar seu mal, seja através de remédios ou até mesmo de massagem, mas algo de efetivo é preciso ser feito. Muitas pessoas vinham me solicitar ajuda e orientação, no entanto nunca pude oferecer nada palpável, salvo rituais e magias bastante virtuais, as pessoas não me viam agindo e não sentiam grandes efeitos.

Inspirado pelo trabalho da Ord Brighideach International comecei e elaborar o que hoje temos nos trabalhos das Vigílias, abrindo para participação de todos e iniciando guardiões oficiais, como um clero alternativo e independente. O projeto ainda está em sua fase inicial, breve teremos mais elementos compondo ele, como é o caso do Santuário Brigidiano Virtual que criamos após vermos os resultados práticos dos Naoiche e Trioiche.

Quanto aos resultados, bom, testei por quase um ano em minha vida e de conhecidos, sempre faço isso, e percebi que obtive resultados para mim e para os outros, assim abri ao mundo o projeto e temos recebido de diferentes lugares apoio, pedidos e muitos relatos de resultados, curas inesperadas, alívios imediatos, presenças sentidas por aqueles que deram seus nomes para as preces, sei de crianças que encontraram causas para moléstias até então desconhecidas e portanto não tinham tratamento eficaz, idosos que curaram de dores crônicas, enfim, temos tido muitos resultados, e tem nos dado forças para levarmos para outro patamar este projeto em específico. Quando uma mãe me ligou e disse que seu filho sorriu após semanas de internação médica com convulsões misteriosas sem causa aparente e teve alta depois de 3 dias do início do Naoiche, eu soube que era um devoto de verdade e que tinha encontrado um modo de fazer o bem.

2. Me chamou bastante a atenção sua menção sobre o Toque, uma versão de incorporação. Como isso se dá? Pode falar mais um pouco a respeito? Parece muito interessante.

O Toque aconteceu de maneira bastante experimental, aliás a experimentação é um dos nossos fortes.  Percebemos em nossos primeiros ritos que uma parte de nós nos deixava e outra tomava espaço, estávamos ali mas de alguma maneira nossa consciência se modificava, eu entrava Jéferson e no meio do rito virava o Morgan ( demos nomes para nossas “versões rituais”) e meus colegas sentiam o mesmo, mudava a voz, o olhar e principalmente a energia. Tínhamos pouca idade e nenhuma experiência, mas com o passar do tempo fomos pesquisar e estudar os processos de extase religioso nas religiões pelo mundo, observamos que cumpríamos as etapas da construção básica do êxtase, e também vimos que a espiritualidade céltica moderna não fazia uso de tais etapas e querendo ou não havia abandonado os processos mais essenciais para se obter uma conexão nevrálgica com o divino. Resolvemos elaborar uma técnica para o despertar do que chamamos Toque, porque não somos tomados pelo espírito divino como é o caso da Umbanda ou Candomblé, mas sim, somos aproximados ao máximo e tocados pelas energias divinas sem perder a consciência, mas permitindo que ela deixe de lado suas amarras e limitações.

Assim definimos os meios para se obter o Toque e somente ensinamos pessoalmente, dadas as delicadas linhas que precisamos cortar e outras que precisamos criar.

De longe é o mais curioso e polêmico tópico relacionado à Tradição Druídica Waloniana e sua metodologia é nosso legado mais importante e mais bem guardado ( ha pessoas que estão conosco há mais de 7 anos e nunca foram treinadas para isso).

3. A Walonom nasceu no RS e espalhou-se, figurando como a Ordem com maior número de membros que responderam a um censo sobre Druidismo e RC realizado recentemente. Em que outros estados vivem membros da Ordem hoje? Há membros fora do Brasil?

Há membros espalhados em todas as regiões do país, ainda não contemplamos todos os estados, mas isso é um projeto para logo, somente em janeiro deste ano de 2014 é que iniciamos as movimentações para a expansão do nosso trabalho, com cursos on line gratuitos estamos atingindo boa parte do Brasil, nem todos são ou viram membros efetivos, mas tudo ainda em fase beta. Quanto ao exterior, bom, nenhum membro ainda, somente parcerias, mas já estamos pensando nisso.

4. Todos os Bosques seguem uma liturgia pré-proposta da Ordem ou há liberdade criativa dentro dos Bosques?

Há uma estrutura, regras e liturgia pré definidas no entanto aceitamos e debatemos adaptações e mudanças. Algumas práticas são adaptáveis, como por exemplo a Espiral do ano que para praticantes do HS são sulistas e do HN são nortistas ( zonas mediais ficam para debate quando houver grupos nesta linha equatorial).

5. Recentemente vi fotos de um casamento celebrado por você. Vocês realizam cerimônias de outros ritos de passagem, como batizados ou funerais? Sendo a Ordem Walonom algo construído coletivamente desde 2001, como vocês chegaram aos elementos para a elaboração de um ritual de casamento? Foi similar ao processo de elaboração dos demais rituais anuais da Ordem?

Sim, realizamos todos os ritos de passagem, inclusive ano passado divulguei uma imagem do ritual de Menarca da minha irmã, realizado por toda a tribo no exato dia de seu primeiro sangramento, comemorado com um jantar após a celebração que realizamos às margens do lago Guaiba em mata fechada. O primeiro rito de passagem que realizamos foi o de morte, perdemos uma membro menina em nosso segundo ano de funcionamento, em silêncio, unidos pela dor e pela fé ajudamos ela em sua entrada na barca que a levaria para além da nona onda. O céu respondeu com chuva.

Quanto ao casamento, eu e Viviane ( Faith do Bosque Feth Fiada) nos reunimos por um ano inteiro, pesquisando, buscando referencias elementos para erigir um casamento ritual cuja cerimônia fosse eficaz. Eu e ela juntos criamos a liturgia ritual .

6. Há mais alguma coisa que você gostaria de divulgar a respeito da sua prática, ou da prática da sua Ordem?

Sim. Walonom foi criada e se mantém independente das ordens internacionais porque antes de mais  queremos estabelecer um modelo de prática que seja inspirado pelo espírito Celta mas praticado pela alma brasileira.  Temos desafios, cometemos erros, temos um objetivo e vamos alcançá-lo, facilitar o acesso à informação prática, promover nossa espiritualidade, popularizar o contato com os Deuses e nunca elitizar aquilo que todos os antigos Celtas tinham no quintal de casa. Para,  nós o a tribo é que importa.

Que os Deuses abençoem a todos e que o Corrente seja próspero.

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