quinta-feira, 9 de outubro de 2014

As Várias Árvores da Floresta II: José Paulo Gaesum

Nosso segundo entrevistado, José Paulo Gaesum, de Curitiba (PR), das Clareiras Coré-Tyba e Caer Ynis, está entre os organizadores do próximo EBDRC, que será de 4 a 7 de Junho de 2015 em Curitiba. Ele também é integrante do Conselho Brasileiro de Druidismo e Reconstrucionismo Celta e nos brindou compartilhando um pouco de sua experiência e vivência dentro da espiritualidade céltica.

Obrigada pela generosidade, JP! É uma honra tê-lo na nossa Floresta!

Povo, não deixem de visitar os sites do CBDRC e do EBDRC.

Espero que gostem da entrevista tanto quanto eu! :D


Parte I (perguntas genéricas) 

1. Identidade. Como você se intitula, como chama sua prática religiosa? Na sua opinião, o que distingue sua prática de outras dentro do Paganismo Celta?

Eu pratico o que chamamos de Tradição Druídica ou druidaria, conforme os moldes da Druid Order/Ordre des Druides. Alguns chamam isso de mesodruidismo, mas este termo não faz sentido para minha prática, então não o adoto exceto para fins comparativos.

Esta é a vertente que surgiu com o renascimento druídico em 1717 quando John Toland reuniu membros de bosques e clareiras da Inglaterra, Gales, Escócia, Irlanda, Man, Cornuália e Bretanha Francesa e que se mantém viva até hoje, quase 300 anos depois.


2. Coletividade. Você pratica sozinho ou em grupo? Pertence a alguma tribo, ordem, coven, clã? Como se dá a entrada de novas pessoas no seu grupo? Há títulos ou hierarquia de algum tipo em seu grupo?

Praticar a Tradição Druídica sozinho é muito válido, mas praticar em grupo é uma experiência muito engrandecedora. Sou membro das Clareiras Coré-Tyba e Caer Ynis e ambas são parte da Assembleia da União Druídica do Brasil (UDB), o braço brasileiro da Ordre des Druides. Por ser uma ordem muito tradicional, temos posições bem definidas em relação aos cargos e aos graus, que vão desde credimacos (aquele que vive a fé druídica) até uerdrui (o grande druida).

Porém além disso, considero que minha família druídica extrapola os limites da minha Ordem e abraça diversos irmãos e irmãs que tenho espalhados pelo Brasil em grupos das mais diversas vertentes e com quem tenho a oportunidade de aprender muito.


3. Devoção. Você é pan-céltico ou exclusivo de alguma nação (irlandesa, escocesa, ibérica, galesa, etc)? Como você escolheu seu panteão? Há divindades específicas pelas quais você tenha devoção? Há algo que você possa acrescentar a respeito dessa devoção?

Considero-me um pancéltico de orientação continental gaulesa. Devotar-me diretamente aos deuses da Gália nunca me impediu te manter contato também com deuses insulares quando necessário. Não creio que os deuses preocupem-se muito com as barreiras geográficas e culturais e que esses limites são muito mais uma imposição dos próprios humanos.


4. Prática. Que elementos compõem sua prática? Há ritos? Orações? Oferendas? Roda do Ano Norte, Sul ou Mista? Datas destinadas a determinadas divindades? Há uso de altares, objetos mágicos ou simbólicos, ervas, flores, alimentos ou cristais? 

Divido minhas práticas em dois momentos: druidaria e politeísmo céltico.

Na druidaria (o ofício do druida) sigo os preceitos que me foram ensinados pelos meus instrutores, seus ritos e orações específicas, assim como o uso de altares e objetos sagrados. Tudo isso faz, ao meu ver, parte da Tradição Druídica e tem como objetivo meu crescimento e o auxílio no crescimento da comunidade que me permeia.

Porém por fora disso tenho também práticas devocionais que são muito particulares, como oferendas e orações e que tem muito a ver com meu lado religioso. Para essas práticas, que chamo de politeísmo céltico, busco inspiração na história e na arqueologia, da mesma forma que os reconstrucionistas o fazem.


5. Ancestrais e Espíritos da Terra. Na sua prática há algum culto a Ancestrais, sejam eles culturais, físicos ou locais? Há introdução de elementos negros ou indígenas? Há oferendas? Orações? Símbolos? Datas específicas?

O respeito à ancestralidade é um dos pilares básicos da maioria das espiritualidades célticas e talvez seja um dos poucos pontos unânimes.

Em nossa Tradição mantemos o respeito aos nossos antepassados em todos os ritos, mas especialmente em Samonios e Beloptenia, quando acreditamos que este contato é mais forte.

Além disso honramos muito nossa ancestralidade druídica, mantendo sempre viva nossa linhagem iniciatória e procurando respeitar o nome daqueles que seguiram por este caminho antes de nós.
Em nossas clareiras não utilizamos elementos indígenas ou negros, porque acho que isso não faz muito sentido para nossas práticas. Honramos sim nossos antepassados, mas não acreditamos que seja necessário trazer elementos de culturas não-célticas para dentro dos ritos, porque em nossas oração aos ancestrais nos referimos aos seus espíritos e não à sua carne, suas nacionalidades ou etnias.



Parte II (perguntas específicas)

1. A Clareira Coré-Tyba será anfitriã do VI EBDRC, um Encontro anual que tem feito um maravilhoso trabalho de união entre os celtas de todo o Brasil (e que ano que vem se os Deuses permitirem, IREI! rs). Como foi o processo de criação desse evento, que você está à frente desde o nascimento, e como é para você organizá-lo novamente? O que mudou de lá pra cá, e o que podemos esperar para o futuro?

O Encontro Brasileiro de Druidismo e Reconstrucionismo Celta é a realização de um sonho que foi sonhado por muitas pessoas. O ano era 2009 e as clareiras druídicas eram muito fechadas e mesmo grupos localizados na mesma cidade, muitas vezes não se conheciam. Toda a comunicação era através das listas de e-mail e a gente sentia necessidade de um contato mais próximo. E foi assim que em 2010 a primeira edição aconteceu em Florianópolis com a organização do Caer Ynis.

De lá para cá muita coisa mudou: ano após ano os anfitriões se esforçam cada vez mais e o evento tem tomado uma proporção muito bacana, desentocando cada vez mais druidistas e aproximando as pessoas. As únicas coisas que não mudaram foram a amizade e o respeito, pois como costumamos dizer: devemos sempre perceber quão grandes são as semelhanças que nos aproximam e quão pequenas são as diferenças que nos separam.

O que conseguimos com o EBDRC é algo praticamente único no druidismo mundial: reunir em um evento membros das mais diversas vertentes do druidismo e da Espiritualidade celta e proporcionar a troca entre eles. Existem na Europa e nos EUA alguns grandes eventos que reúnem várias pessoas, mas geralmente eles são todos membros da mesma Ordem Druídica. Aqui a gente vai além e enxerga a fé celta como uma grande família.

Esse nosso esforço é inclusive reconhecido lá fora. Phillip Carr-Gomm, Chefe Eleito da OBOD, é um dos que já elogiaram nossa iniciativa e assim como ele, outros druidas franceses e mesmo portugueses já tem as nosso Encontro em vista.

Para 2015 estamos preparando várias novidades, mas ainda são surpresa.


2. Em 2010 você foi um dos idealizadores do que hoje é conhecido como Conselho Brasileiro de Druidismo e Reconstrucionismo Celta (CBDRC). Muitas pessoas ainda desconhecem o Conselho, suas atribuições atuais e planejadas, e seus projetos. Se puder, gostaria que falasse um pouco sobre o Conselho, como forma de divulgá-lo e esclarecer suas atribuições e funções principais. (:

O Conselho Brasileiro de Druidismo e Reconstrucionismo Celta (CBDRC) é outro sonho destes coletivos.

A ideia é termos uma entidade que represente o druidismo brasileiro e todas suas vertentes. É ser uma organização que possa brigar pela nossa comunidade, que possa nos defender e que possa nos unir ainda mais. O Conselho servirá também para fomentar novos eventos, a espelho do EBDRC, por todo o país, abrindo as portas para aqueles que procuram a fé dos antigos.

Inclusive no mês de setembro de 2014 abrimos o processo para que os grupos possam se filiar e ter assim voz ativa no Conselho, votando nos projetos e mesmo apresentando novas ideias. No site www.cbdrc.wordpress.com tem todas as informações sobre como se filiar.


3. Quais são, na sua opinião, as principais diferenças do chamado Mesodruidismo para outras formas de espiritualidade céltica?

O termo mesodruidismo deriva de um artigo de Isaac Bonewits, fundador da ADF, que falava do mesopaganismo como sendo os movimentos pagãos que renasceram a partir do século XVIII, os diferenciando assim dos paleopaganismos (os paganismos antigos originais) e os neopaganismos (os movimentos mais modernos).

Pessoalmente não compartilho deste termo porque acredito que o que praticamos é druídico, não mesodruídico e muito menos neodruídico. A Tradição Druídica de hoje é a mesma dos nossos antepassados, apenas evoluindo com o passar dos anos. As liturgias mudaram porque os tempos mudaram, mas apesar das diferenças na Forma, mantemos a mesma Essência.
Hoje tentar colocar no mesmo saco todas as ordens druídicas surgidas nos séculos XVIII e XIX é ser extremamente simplista, porque elas tem origens diversas, culturas diferentes e costumes variados. Há aquelas de cunho espiritual, outras tem um foco cultural e outras são mutualistas. É por isso que repudio esse tipo de distinção e procuro enxergar todos os grupos druídicos como árvores distintas de um mesmo bosque, da mesma forma como vocês estão fazendo com essas entrevistas.


4. Você menciona o culto aos Ancestrais como um dos poucos pontos unânimes entre as diversas espiritualidades célticas. Você pode falar um pouco mais sobre isso?

Se eu tivesse que resumir a fé celta em uma palavra, eu diria "ancestralidade".

Esse termo engloba além dos nossos antepassados, nossos deuses antigos e mesmo a natureza sagrada. E quando falo em antepassados não me refiro apenas à nossa família, nossos pais, avós, bisavós e bisavós das bisavós. Falo também daqueles que viveram nesta terra antes de nós, que plantaram, colheram e criaram suas famílias e ainda sobre aqueles que viveram a Tradição antes de nós: os druidas clássicos do passado e aqueles druidas mais próximos, nossos iniciadores e os iniciadores deles.

Hoje honramos nossos ancestrais, mas no futuro serão nossos descendentes que nos honrarão.


5. Gostaria de acrescentar algo mais?

Quero agradecer a iniciativa da Corrente RJ de mostrar várias formas de nossa Fé. Esse tipo de ação é importante para nos unirmos e sermos cada vez mais fortes. Devemos aprender com nossos erros: nossos antepassados eram desunidos e por isso sucumbiram ao Império Romano, mas nós devemos os vencer. Reflitam: quem são os "romanos" de hoje?

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