quinta-feira, 25 de setembro de 2014

As Várias Árvores da Floresta I: Mayra Ní Brighid

Começa agora uma série de entrevistas, realizada pela Corrente RJ com praticantes dos diversos Paganismos Celtas. Resolvemos chamar essa série de As Várias Árvores da Floresta, relembrando que uma floresta é feita de várias árvores diferentes, ou seja, somos todos diferentes entre nós, mas fazemos parte de um mesmo organismo.

Começamos muito bem, com as bênçãos amazônicas de Mayra Ní Brighid, residente do Acre, que com muita simplicidade e perceptível sabedoria compartilha conosco um pouco da sua visão e da sua prática. Obrigada pela generosidade, Mayra! Que as Boas Gentes deixem presentes em seu caminho em nome da gente aqui do nosso Rio de Janeiro! :D

A entrevista é em duas partes: na primeira, Mayra respondeu a perguntas genéricas a respeito de suas práticas. Na segunda, fiz perguntas específicas para ela, baseada nas suas respostas da primeira parte. Foi lindo <3 espero que gostem tanto quanto eu!

Parte I (perguntas genéricas)

1. Identidade. Como você se intitula, como chama sua prática religiosa? Na sua opinião, o que distingue sua prática de outras dentro do Paganismo Celta?

Intitulo minha prática religiosa como “Druidismo”, apesar de saber que esse termo não seja o melhor para definir o que os celtas antigos praticavam, mas creio que seja o melhor termo para definir uma religião moderna que se inspira nesse antigo povo. E também por toda a história do movimento, renascimento druídico etc.

Acho que cada região brasileira apresenta características únicas, e essas características se refletem na prática do paganismo. Da mesma forma que cada pessoa tem suas características e essência, cada pessoa pratica e vivencia o paganismo de uma forma única. E isso não é ruim, pelo contrário.


2. Coletividade. Você pratica sozinho ou em grupo? Pertence a alguma tribo, ordem, coven, clã? Como se dá a entrada de novas pessoas no seu grupo? Há títulos ou hierarquia de algum tipo em seu grupo?

No momento pratico sozinha E em grupo (rs). Faço parte de um grupo, Clann an Samaúma, que nasceu em Belém/PA, minha cidade natal, e onde a maioria dos membros está. Estamos mantendo o grupo de estudos e nos reunindo por meio da internet, é um pouco difícil, mas entendo que faz parte do processo. Em breve, nos reuniremos presencialmente, se os deuses quiserem.

Por hora não estão entrando novos membros, pois estamos em fase de estruturação do grupo. Mas no futuro abriremos para novos membros, e ainda não sei ao certo como se dará esse processo, mas acho que passará por uma etapa de estudos iniciais, participação em encontros abertos, consulta a oráculos (para saber o que os deuses acham da pessoa no grupo), um período de “teste” como membro, etc.

Não há hierarquia definida no grupo, pois ainda somos poucos. Mas a ideia que vamos trabalhar será de tribo e suas várias funções, ou seja, haverá bardo, druida, guerreiro, músico, artesão, curador, devoto, “semente” e convidados.


3. Devoção. Você é pan-céltico ou exclusivo de alguma nação (irlandesa, escocesa, ibérica, galesa, etc)? Como você escolheu seu panteão? Há divindades específicas pelas quais você tenha devoção? Há algo que você possa acrescentar a respeito dessa devoção?

Tenho muita afinidade com a cultura gaélica (Irlanda e Escócia), e portanto cultuo mais os deuses desses locais. Mas estudo e reverencio também os deuses da cultura galesa, ibérica, gaulesa...

Os deuses que tenho mais afinidade e devoção são Brighid, Dagda, Lugh, Aengus, Danú/Anann, Manánnan e Cailleach.

Tenho afinidade com alguns deuses de outras culturas também, embora eu não dedique um culto a eles. Mas Shiva, por exemplo, tem um lugar especial no meu coração, e vez ou outra escuto ou canto o seu mantra. Estou ficando próxima de Pachamama também, devido à proximidade com a Bolívia e Peru (estou morando no Acre). E também a Jiboia e a Borboleta Encantadas, forças ancestrais dos povos indígenas do Acre, que nutro um carinho e respeito muito grande.
Não os cultuo em minha prática pagã celta, mas os reverencio e dedico um pouco de amor a eles em minha prática religiosa. Em meu coração vibra a espiritualidade celta, mas não posso ignorá-los quando esses outros deuses simplesmente cantam e dançam na natureza à minha volta.


4. Prática. Que elementos compõem sua prática? Há ritos? Orações? Oferendas? Roda do Ano Norte, Sul ou Mista? Datas destinadas a determinadas divindades? Há uso de altares, objetos mágicos ou simbólicos, ervas, flores, alimentos ou cristais?

Sigo pela Roda Norte, pois na região onde moro nosso inverno (época das chuvas) coincide com o inverno no norte, e o verão (época da seca ou pouca chuva) coincide com o verão de lá.
Além dos 8 festivais celebro também a lua cheia e a lua nova, e mantenho algumas práticas devocionais diárias, como orar ao acordar, ao ir dormir, ao almoçar, ao preparar uma comida, ao tomar banho, ao acender uma chama, enfim.

Ah sim, tenho altares (algumas pessoas preferem o termo “centros devocionais”, pra mim tanto faz rs, a essência é a mesma) em casa. No altar principal tenho representações dos Três Reinos e das Três Famílias, e é onde realizo os ritos.


5. Ancestrais e Espíritos da Terra. Na sua prática há algum culto a Ancestrais, sejam eles culturais, físicos ou locais? Há introdução de elementos negros ou indígenas? Há oferendas? Orações? Símbolos? Datas específicas?

Em toda a minha prática há o culto aos ancestrais. As religiões antigas, inclusive às célticas, são centradas nos ancestrais. Não há porque ser diferente hoje. Em todos os ritos eu os honro.
Não introduzo elementos negros ou indígenas brasileiros em meus rituais, por exemplo, não canto uma canção da Jiboia num rito de Samhain, mas tenho sim em meu altar símbolos da cultura indígena e brasileira, pois fazem parte de minha ancestralidade e os mantenho lá para me lembrar disso e fortalecer minha ligação e meu respeito com eles.
Precisamos conhecer mais a cultura tradicional dos povos daqui (Brasil), pois elas são tão ricas e maravilhosas quanto as célticas. Não deixo nunca de me encantar com a sabedoria dos indígenas e das comunidades tradicionais do Brasil... Há tanto para nos ensinar, há tanta beleza e sabedoria... Pena que só alguns percebam isso.


Quando sinto necessidade, celebro um rito que honre os ancestrais da terra e espíritos locais, mas no caso é um rito específico e não num “molde” ou liturgia druídica, entende? Difícil de explicar... Mas enfim, sou druidista, pagã celta, e também sou brasileira e amazônida, com muito amor e orgulho :) .


Parte II (perguntas específicas)

1. Você mencionou o uso de oráculos para verificar uma possível entrada em seu grupo. Quais meios oraculares você pratica? Todos no seu grupo o praticam?

Comecei estudando o Tarot e depois divinação pela água e fogo, mas não me aprofundei muito nesses últimos. Estudei Runas por um tempo também, mas depois parei, não bateu a afinidade. Há dois anos mais ou menos comecei a estudar o Ogham, e tenho gostado muito. Recentemente, iniciei um processo de estudo em um oráculo desenvolvido pela Caitlin Matthews, chamado “Celtic wisdow oracle”, baseado numa ideia de clãs e ancestralidade. E estou adorando! Tenho afinidade também com o oráculo baseado no voo dos pássaros, mas esse tem sido mais intuitivo e espontâneo para mim. Então, atualmente trabalho mais com esses três últimos oráculos que mencionei (ogham, “oráculo dos ancestrais” – da Caitlin – e o voo dos pássaros).

Nem todos no grupo usam oráculos, a maioria conhece um pouco sobre o Tarot e o Ogham, mas não no sentido prático e aprofundado.


2. Na sua prática você usa uma língua gaélica? Ou usa apenas o português?

Até que gostaria de usar mais o gaélico, mas não dá... Ô linguinha difícil de estudar... rsrs. No máximo falo três ou quatro expressões em gaélico durante um rito. Então, usamos mais o português mesmo. Mas entendo que isso não minimiza a força do ritual... ou a sinceridade da vivência espiritual. Os Ancestrais e os espíritos se comunicam pela linguagem do coração, e não da fala...


3. Há uma liturgia em particular que seu grupo usa? Vocês a desenvolveram ou basearam-se em alguma outra? Pode falar um pouco sobre isso?

Sim, elaborei uma liturgia baseada em algumas que conheci de grupos brasileiros e não brasileiros. Ainda estamos experimentando essa liturgia, então ela ainda não está fechada. Nem sei se um dia estará, pois acho importante a mudarmos ou adaptarmos de vez em quando ou sempre que sentirmos necessidade. A gente muda, o grupo muda, o ciclo muda, então a liturgia tem que mudar também.

Resumindo a liturgia que estamos seguindo, nossos ritos se baseiam nos seguintes passos:

Limpeza e organização do espaço; limpeza dos participantes e acolhida; concentração e meditação; conexão com os Três Mundos; chamado das Três Famílias; pedido de bençãos das sagradas direções (leste, sul, oeste, norte e centro); honra e pedido de bençãos à Erin, ao sagrado carvalho e à sagrada samaúma; chamado às divindades honradas na ocasião; passagem da tradição (varia de acordo com o rito ou festival); leitura de oráculos; agradecimentos; encerramento; confraternização (banquete, música, danças, conversas).


4. Na sua opinião, quais similaridades podem ser vistas entre as tribos celtas de outrora e as culturas tradicionais do Brasil? E algumas diferenças?

Ambas veem a Terra como sagrada, honram os ancestrais, celebram os ciclos da natureza e entendem que o universo todo está interligado.

Além disso, os indígenas brasileiros estão enfrentando o que os celtas antigos enfrentaram: a invasão de suas terras, a destruição de sua cultura e valores sagrados. Os indígenas brasileiros são guerreiros, resistentes e lutam pelas suas terras, sua comunidade, sua cultura e ideais. Assim como os celtas antigos lutaram em tempos idos...

As diferenças existem claro, vivem em mundos diferentes, caminham sobre outras terras, reverenciam outros deuses, contam outras histórias e mitos, se vestem de forma diferente, falam outras línguas...


5. Há algo que você gostaria de acrescentar?

Só agradecer por terem me convidado a participar desse projeto de entrevistas, e desejar a “Corrente RJ” sucesso, luz, alegria, honra e sabedoria em sua jornada! =)  

Nenhum comentário:

Postar um comentário