Educar ou não educar os filhos
dentro dos preceitos de nossa religião é um dilema para alguns praticantes de
paganismo celta. Muitos não têm dúvida e seguem a lógica “se esse é um caminho
bom pra mim, será bom pro meu filho” e trabalham na intenção de fazer da
religião uma tradição familiar como antigamente, quando o deus de meu avô era o
deus de meu pai e então meu deus, de modo natural. Outros preferem deixar os
filhos escolherem, não querem impor o que deve ser feito com amor, e optam por
dar algumas orientações e deixar “a conversa” pra quando o filho tiver mais
maturidade.

Visando dialogar com quem está
interessado em ensinar os pequeninos, começo hoje a publicar uma série específica
de textos com dicas de livros e filmes e como eles podem auxiliar a transmissão
de idéias e conceitos pagãos. [Por favor enviem sugestões, elas são muito bem
vindas para termos um troca de experiências dinâmica e produtiva.]
Começo sugerindo a participação
no ESP®Pagãozinho,um
dos projetos integrantes do Projeto Gaia Paganus®.Encontro Social Pagãozinho®
acontece anualmente em outubro no Rio de Janeiro. Até onde sei, esse é o único
evento voltado para a troca de experiências de pais pagãos, que visa promover a
convivência e troca de experiência de famílias pagãs e que envolve uma série de
atividades lúdico-pedagógicas de cunho pagão para crianças. Merece nossa visita
não é mesmo?
Inauguro a sessão falando sobre o
filme Festa no Céu, não deixe de dar sua opinião. Benção dos Antigos!
Fiz o possível pra não dar
spoiler do filme ao longo do texto, na intenção de te convencer a ver sem
estragar as surpresas da trama. Festa no Céu, título original The Book of Life
(O Livro da Vida, 2014),é um longa metragem de animação dirigido por Jorge R. Gutierrez.
O filme conta a história de 3 crianças, Maria,Manolo e Joaquim, que são objetos
de uma aposta entre La Muerte e Xibalba pelos domínios dos reinos do Outro
Mundo. La Muerte e Xibalba apostam com qual dos amiguinhos Maria vai se casar e
assim se desenvolve a história.
Em 30 segundos o filme propõe que
vejamos as coisas de outro jeito. E cumpre, nos levando a uma nova percepção de muitas coisas,
principalmente a morte.Um grupo de
crianças que está em uma excursão, entra pelo museu por uma parede, que a
primeira vista é plana, mas olhando com mais cuidado fornece a entrada para a
parte secreta do museu, onde está o Livro da Vida, aos pés de uma árvore
incrivelmente colorida. Em minha opinião, ser pagão consiste justamente “ver” o
invisível, onde muitos não vêem nada, olhar além, e o Livro da Vida estar aos
pés, na raiz de uma árvore... é um prato cheio pra iniciarmos a conversa sobre
o Culto aos Ancestrais, o significado da Bile, pra quem usa esse símbolo
sagrado.
O filme proporciona um leque de
quebra de paradigmas muito interessante, pra começar não gira em torno do amor
romântico idealizado. Alguns filmes infantis tem buscado novas propostas,
alternativas à antiga lenga lenga casamento-com-príncipe-genérico-é-solução-da
vida-da-mulher: aconteceu em Valente e Frozen e talvez outros mais. Em Festa no
Céu, aquele que encerra as características de valentia e força do “príncipe” é
deixado de lado principalmente por ser muito egocêntrico, o candidato mais
sincero, e que sobretudo não ameaça a autonomia de Maria é quem a conquista.
Eu teria muita dificuldade em
criar um menino, pois acho todos os filmes infantis com protagonistas
masculinos, em menor ou maior grau, incentivadores de comportamento machista/ violento
(moro com sobrinhos, sei o que estou falando). A repetição de estereótipos de gênero em filmes infantis tem
efeitos nocivos de todos os lados. Seguindo pela questão de gênero é muito bom
ver que a mulher não é a principal, e nem necessita se casar pra ser alguém,
ela é desde menina uma empoderada: livre, independente, inteligente, ciente do
que quer e do que esperam dela enquanto mulher, (foge de quem idealiza o
casamento pela ótica da realização de serviços domésticos), valoriza os livros
e a arte, não usa maquiagem e é bonita (sim, o filme deixa isso claro). Manolo,
o menino que se torna protagonista tampouco é superpoderoso, nem tem uma grande
missão, nada disso, de fato, ele é simplesmente alguém comum, sem poderes,ou
riqueza, com problemas, sonhos, tarefas, desejos e que vence, com seu jeito, e
não com o que impõem a ele....esse seria um filme que eu faria questão de
passar pro meu filho menino.O antagonista são os medos de seguir seus próprios
sonhos, quer mensagem mais incrível?
Nessa quebra de paradigmas,
voltando a ótica pagã, o filme trata da morte. Enquanto pagãos entendemos, ou
tentamos entender, a morte como parte da vida, etapa da vida, continuação dela,
o que é tarefa difícil pra nós adultos e pior ainda é como explicar a morte pra
uma criança? Uma vez falei pra minha filha que meu pai estava no céu, e ela
passou uma semana olhando pra cima, toda volta da creche, era uma demora, pois
lá estava ela de pescoço esticado... quando perguntei, descobri que ela estava
tentando achar meu pai nas nuvens, então vi que o eufemismo não tinha feito
nenhum sentido pra ela e fiquei me perguntando como ser mais didática sem ser
cruel (ela nem tinha feito 3 anos).

Visualmente a representação do
Mundo dos
Lembrados me fez entender a discrepância na tradução do título
original para o título em português: que coisa linda! É um trabalho de arte
visual e musical impressionante, repleto de caveiras mexicanas multicor. A
trama não associa em hora nenhuma tristeza à morte, é nela que encontramos
todos os nossos ancestrais e eles nos recebem em festa. A morte retratada ali é
uma continuação da vida, é necessário enfrentar novos desafios, progredir, e
claro, no Dia dos Mortos, é possível contar com a ajuda de Nossos Amados
Ancestrais. Quer mais motivos?

Tem mais. O mal não é totalmente
mal, o bem não é totalmente bem, não há esse dualismo delimitado no Outro Lado,
há mais uma dinâmica que os move do que definições rígidas. La Muerte e Xibalba
dialogam, apostam, brigam, são amigos, amantes, e há uma terceira figura, o
Homem de Cera, que mantém o equilíbrio, ele é feito da cera da vela de todas as
vidas, cada vida é um vela acesa no outro lado, ele também governa as
cachoeiras que são passagens para outros mundos (qual é na mitologia celta).
Também há no filme uma deixa sutil para conversarmos com nossos pequeninos sobre a natureza das trocas e
tratos com seres do Outro Mundo e suas conseqüências.Mas isso é pra quando
estiverem maiorzinhos rsrs